MINHA PRIMEIRA PROFESSORA
Alice de Sousa Silva
 
 

Naquele tempo eu não via como hoje, apesar de ser apenas lembranças, são boas recordações. Hoje reconheço que aquela moça magra e morena foi a melhor professora que tive. Batalhadora, criativa, apesar de enérgica, sabia ser amiga, estava sempre disposta a melhorar as condições de seus alunos.

Naquele sertão árido, a escola era um oásis para as poucas crianças que moravam pelas redondezas. Um dia disseram que iamos estudar ali mesmo na roça, os mais velhos iam até a cidade, distante 9 léguas.Os mais novos aguardavam ficarem um pouco maiores para poderem enfrentar a jornada. Naquele dia a noticia trouxe certo alivio. Ia chegar uma professora récem- formada e daria aulas para alunos até a quarta série. Houve um certo alvoroço, em casa, éramos quatro que iriamos entrar, minha mãe ja contabilizava os gastos com o material escolar. Era fim de ano, dali a dois meses começariam as aulas, era so terminar um tal de carnaval, ouvia falar disso no rádio. Ela se tornaria uma boa professora, pelo menos não usaria palmatória.
Ficamos felizes, eu, minha irmã e mais dois irmãos, os tres eram mais velhos que eu, e dois ainda não tinham sentado numa sala de aula. Mas sabiam ler e escrever porque nossa irmã mais velha tinha ensinado, eu não tinha aprendido nada ainda, era muito teimosa e não era chegada no estudo, como não sou até hoje para meu azar. Mas tenho uma explicação, minha irmã ensinava à moda antiga com uma palmatória, tipo escreveu não leu o pau comeu. Eu ficava à espreita quando ela vinha em casa para ensinar. O único material que ela trazia da casa dela para a aula era a temida palmatória.Eu odiava aquilo, via meus irmãos apanhar e não queria isso pra mim, já que logo seria minha vez. Quando ela me disse que chegara a hora de me dá licão , aprender o beabá, como se dizia, estremeci. Estava na idade de aprender a ler. Um dia antes quando ela tinha terminado a aula com meus irmãos , ela deixou a palmatória na mesa e foi tomar café com minha mãe na cozinha, aproveitei a distração, peguei a arma do castigo , dei a volta na casa e fui até o chiqueiro dos porcos,olhei aquele barril de lama onde eles ficavam atolados até o focinho e joguei-a lá dentro. Quem teria coragem de meter a mão ali à procura de algo? Com um medo terrivel mas com uma sensação de alivio, voltei pra casa e aguardei o desenrolar dos fatos.

Quando terminava a aula, meus irmãos saiam para trabalhar, cada um tinha seus afazeres,os homens, porque a minha irmã Elisalde, ia se deitar, a bichinha gostava duma rede que só vendo, pegava o gatinho dela e se enroscava com ele até perto da hora do jantar. Partiu tão cedo minha companheira, será que lá no céu ela também tira uma sonequinha fora de hora? Bem, vagabundeando só ficava eu aquela hora, porque quando entardecia, aparecia serviço para mim também, juntar as cabras no pasto e levar pro chiqueiro, tratar as feridas, fazer curativos no umbigo dos récem-nascidos, dá mamadeira para os mais fraquinhos e mais outras coisas que aparecessem...Ah! que saudade desses afazeres da minha meninice...

Continuando... Ela se arrumou pra ir embora,procurou seu objeto de tortura, eu sai correndo e me escondi, pra quê, num instante ela percebeu quem tinha sumido com a palmatória. Nem se deu ao trabalho de procurar... perguntou pra mim que tinha tentado me esconder atrás de um monte de sabugo de milho... Minha mãe apareceu com uma tira de couro na mão e me mandou ir atrás da tal coisa, como eu sabia que ia apanhar de qualquer jeito não fui, com mãe era assim, se ficasse o bicho pegava se corresse o bicho comia, me puxou pelo braço e meteu o coro, mas não falei.Mesmo assim,meu cunhado fez outra e a licão continuou. Certo dia vi minha mãe vindo ao meu encontro com as mãos para trás, quando chegou perto de mim me mostrou a palmatória cheia de lama seca. Me mandou estender a mão e levei umas três ou quatro chibatadas, primeiro nos ossos dos dedos pois não tinha aberto a mão, como doeu... assim como doeram as outras que levei, por errar a lição, ou por brincar fora de hora, fiquei com duas palmatórias, que castigo, quase não aprendi nada, quando as aulas começaram eu só sabia fazer a letra O. Mas aos poucos, minha primeira professora com paciência e carinho me ensinou tudo, nunca esqueci, são doces lembranças misturadas com uma estranha saudade.

 
 

fale com a autora