ESTRANHA SAUDADE
Daniela Fernanda
 
 

Chegara finalmente o dia da sua formatura. Não tinham sido muitos, mas tinham sido longos os anos de formação acadêmica.
Sentada na poltrona confortável do auditório, a enxurrada de pensamentos parecia querer fugir pelos poros. Cada músculo do seu corpo retinha uma tensão particular, o que tornava quase impossível controlar o tremor que invadia lentamente a totalidade do seu ser.

Havia realizado tantas coisas no âmbito profissional nos últimos anos, que sem medo de macular a modéstia, poderia considerar-se uma vitoriosa. Participara de seminários, fóruns, dera palestras, publicara artigos científicos, ensaios teóricos, desenvolvera projetos de várias ordens... conhecera centenas de pessoas, de faixa etária diversa, de níveis sócio-econômico-cultural distintos, de crenças políticas e religiosas, iguais ou diferente das suas.

E, por incrível que pareça, não caíra na rede sagaz da "geração do total isolamento", depois que aprendera a lidar com o bicho de sete cabeças, o ápice da tecnologia, o qual em breve deverá trazer no seu manual: "Proporciona, com total garantia, a felicidade ilimitada do ser humano". Ela não se deixou enganar, usou-o como meio, nunca como essência.

É, sem dúvida, tinham sido muitas as descobertas naqueles poucos anos. Além disso, estava magra, diria até que mais bonita, mais madura, mais mulher.

No momento mágico em que ouviu seu nome ecoar, levantou-se e, sentindo o delicado e suave peso da toga, o sentimento mais forte que pôde sentir foi o da saudade. Saudade da ignorância, saudade do fogão e do tanque, dos longos papos com as amigas, do chimarrão com as vizinhas, do "vale a pena ver de novo", do cheiro de bolo da cozinha, do varal colorido, da piscina de plástico... daquele marido adúltero, que fazia com que ela se sentisse, a cada novo amanhecer, uma verdadeira rainha, mesmo que fosse do lar.

 
 

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