COISAS DO CORAÇÃO
João Rodrigues
 
 

"Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração".
(Renato Russo)

Ela adorava Cazuza.

Com toda a sua rebeldia, Bia vivia a vida, literalmente. Não se importava com o que diziam dela. "São uns recalcados, esses manés"! Dizia sempre que alguém lhe alfinetava, o que acontecia de vez em quando.

Rebelde sem causa? Talvez não. Ninguém gosta que se metam em sua vida a toda hora. Um pouco diferente, talvez. Não era 'patricinha', e nunca fora. Usava uma maquiagem forte, às vezes extravagante, mas era seu estilo. Todas as pessoas decididas têm estilo. Seu jeito de viver, de vestir, de falar e até mesmo de andar. Que bom seria que todas as pessoas tivessem estilo! O mundo teria mais brilho, mais vida, mais emoção...

Levantou mais cedo e, logo às oito e meia da manhã botou um CD pra tocar em alto e bom som. Burguesia, de Cazuza. Não era a sua música predileta, mas aquela era perfeita para um domingo ensolarado e, de frente para a Lagoa Rodrigo de Freitas, escancarara sua janela para que o som pudesse propagar o verso que ela mais gostava dessa canção: a burguesia fede! Ela cantava acompanhando a letra: "Eu sou burguês, mas sou artista, estou do lado do povo"...

- Baixa esse som e cala a boca, maluca! Eu quero dormir, gritou o irmão.

Ela não deu a mínima. Já estava acostumava com os chiliques do irmão. Mudou de faixa e tocou Garota de Bauru, sua música predileta. Sim, adorava! Ela se identificava na letra... Não era igual à garota de Bauru, apenas algumas coisas em comum. A liberdade, a rebeldia saudável, a sensação e a alegria de viver. Sim todas as mulheres deveriam ser assim. Não estamos mais na Idade da Pedra. O tempo não pára.

De repente baixou uma nostalgia. Aumentou mais o som. Mais gritos ecoaram do quarto. Trocou de CD. Colocou Legião Urbana: Eduardo e Mônica. Uma estranha saudade lhe levara a fazer isso. Algo do passado lhe veio ao presente. Não era tão forte assim. Há algo mais forte do que nós. Alguém lhe veio à memória. Rodrigo. Uma foto na estante puxava seus olhos naquela direção. De novo não! Não queria se prender novamente. A liberdade das noitadas, a praia, o chopinho, os amigos...

Fechou os olhos e sentiu vontade de chorar. Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?

 
 

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