ANA MARIA
Patrícia da Fonseca
 
 

Se Ana Maria escrevesse as histórias de todos os seus casos de amor, certamente ela incluiria no rol seu romance com o João Carlos. Ele não havia sido o primeiro de todos. Mas já fazia dois anos que o relacionamento terminara, que o J. C. sumira e o coração de Ana Maria ainda não tinha bem se recuperado. Lógico, ela não passara nem um mês sozinha, depois da partida abrupta do J. C. Engatara um romance com o Rico, depois com o Arnaldo e por último - este já durava mais de seis meses, quase um recorde - com o Décio. O Décio, inclusive, queria casar. Mas esta é outra história. O J. C. simplesmente partira. Depois de uma madrugada longa e selvagem de amor, o J. C. deixara a Ana Maria em casa, dizendo que telefonaria para combinarem o almoço de logo mais. Ana Maria esperou por um mês e então resolveu almoçar, jantar e dormir com o Rico. Do J. C., nunca mais. Nem sinal.

Primeiro foi difícil acordar de manhã e se deparar com o Rico. Parecia sempre que seria o tal do J. C. que estaria ao seu lado. Mas nem raiva Ana Maria conseguia sentir. Era aquela estranha saudade, um misto de vazio, de tristeza e incompreensão. O Rico era jovem, lindo e vibrante. Totalmente ao contrário do J. C., alguns anos mais velho que a Ana Maria, barriguinha de cerveja, alguns fios de cabelo branco na careca que se avizinhava, sem falar nos jogos de futebol aos finais de semana e nas reclamações de dores nas costas. As amigas perguntavam para a Ana Maria como ela poderia sofrer ainda por um jaburu daqueles. Afinal, o Rico era tão fofo e havia sido totalmente aprovado pelo controle de qualidade da mãe de Ana Maria.

Mas nem Ana Maria sabia dizer o porquê. E a culpa de ela ter chutado o fofo do Rico havia sido exatamente a estranha saudade, a maldita saudade que sentia do J. C. Depois do Rico, após passar duas semanas olhando para o celular, esperando que o J. C. ligasse, por algum milagre do divino, o Arnaldo apareceu e Ana Maria resolveu que poderia namora-lo. Quem sabe esquecesse o J. C.?

Não foi desta vez e aí chegou o Décio. Culto, inteligente, outro nível. Papo cabeça. Ana Maria se surpreendeu com a variedade de assuntos que o Décio conseguia manter e, principalmente, entender. E os amigos dele, então? Nenhum era chinelão como os amigos do J. C., que adoravam falar sobre futebol e mulheres, naqueles intermináveis churrascos, competindo entre eles mesmos para ver quem arrotava mais alto. O J. C. geralmente era o campeão, algumas raras vezes tirara o segundo lugar.

Ah, mas o Décio. O gentleman em pessoa. Nem Ana Maria se achava a altura de um homem daquele porte. As fotos do J. C. que ela ainda guardava foram todas para a casa da mãe que, secretamente, incinerara tudo. E depois de um belo jantar romântico, passados alguns seis meses de romance, o Décio pedira a mão de Ana Maria em casamento. O J. C. veio à mente de Ana Maria. Mas onde ele estaria? Morto ou casado também? Talvez ele tivesse uma família, afinal já havia passado dois anos do desaparecimento dele. Tudo isto passara pela cabeça de Ana Maria em milésimos de segundos. A saudade por ele também se aprofundou, mas arrefeceu quando olhou novamente para os olhos apaixonados do Décio. Por que não tentar? Casar na igreja sempre havia sido o sonho dela e com certeza, o J. C., com a aquela barriga indecente, ficaria ridículo de fraque. Sem dúvida, Décio seria o pai perfeito para seus filhos.

Ana Maria aceitou para alegria do Décio e da família dos dois. O casamento foi marcado para data bem próxima, até porque ela tinha medo de desistir. Ou do J. C. aparecer dizendo que a amava. Ana Maria também deu um jeito de espalhar entre alguns conhecidos dele que estava noiva e iria casar. Havia uma possibilidade de ele aparecer na igreja e dizer para todos que a amava. Sim, poderia. E o que Ana Maria iria fazer, então?

Nem ela sabia, mas esperou ansiosamente o dia do casamento chegar. Ela casou com o Décio. Do J.C., nem sinal.

 
 

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