ESTRANHA SAUDADE
Thaty Marcondes
 
 

- Oi, tudo bem?

- Tudo, e você, como tem passado?

- Não ando muito bem, não. Um pouco fraca.

- É, eu notei. Só não quis dizer assim de cara, mas achei que está um pouco abatida, sem cor.

- Pois, é. Acho que preciso sair um pouco mais, me relacionar melhor com as outras companheiras do condomínio. Passear ao sol, arejar, pegar uma corzinha.

- Você tem que aparecer mais. Anda muito escondida. Não faz bem a gente levar uma vida tão solitária quanto a sua.

- Sabe o que é, eu moro lá no fim da rua sem saída, ou melhor, no começo, pois minha casa foi uma das primeiras a serem construídas aqui. Talvez por isso - por viver tão retirada -, dificilmente sou visitada ou chamada.

- Ouvi falar de você outro dia, numa reunião que tivemos. O comentário foi de que sua casa anda abandonada, jardim sem tratos. Chegaram até a cogitar a possibilidade de você estar muito doente, ou até - o pior de tudo - de você ter morrido.

- Morrer? Eu? Nem pensar! Onde já se viu alguém de minha estirpe morrer precocemente? Somos praticamente imortais!

- Menina, você sabe que, dias atrás, achei que seríamos aniquiladas? Uma tempestade, uma crise sem precedentes!

- Foi mesmo?

- Foi, amiga. Até estranhei, nessa ocasião, não encontrá-la entre nós. Saímos às ruas, fomos chamadas em meio a uma verdadeira tormenta.

- Bem que ouvi raios e trovões. Mas estavam tão longe! Achei que não fosse prejudicar ninguém. Tanto que nem me mexi: continuei sentada, esperando por um chamado pessoal.

- Fez bem. Se tivesse saído, do jeito que anda sumida, era capaz de lhe expulsarem definitivamente daqui.

- Mas o que houve para tanto reboliço?

- Um tal de psicólogo ou psiquiatra. Algo psi comportamental para acalmar os ânimos e espantar a tristeza.

- Ah! Dificilmente esses doutores psi chegam até minha casa: muito longe, viagem demorada. Ouvi dizer que a mãe mudou de lugar, terá sido o tal tratamento?

- É verdade sim. Houve uma limpeza e acharam que ela prejudicava demais. Mas olhe que ela está bem melhor na casa nova: mais arejada, menor, tudo no lugarzinho. Dá gosto ver. Por que você não aproveita e não pede uma reforma? Sua casa está muito caída!

- Já pensei nisso. Ando cansada dessa decoração antiga, démodé; dos tons desbotados; acho até que preciso de uma plástica geral. Quem sabe assim, não seria mais conhecida?

- Também acho. Faça isso, amiga. Viu a moça, como vive coquete ultimamente? Levou uma geral caprichada!

- Pudera! Quer melhor fase?

- Afinal, me conte: como você consegue se manter tão lúcida, após tantos anos?

- Técnica, minha amiga. Técnica. Pouco apareço, pouquíssimas vezes sou lembrada. Mas quando isso ocorre, provoco enxurradas de lágrimas, nevoeiros de tristeza; trago em meu corpo os cheiros perdidos da infância, as flores da adolescência, as esperanças da juventude, as alegrias da maternidade e a sabedoria da maturidade. Só não garanto os sentimentos da velhice, pois não chego a tanto: sou o conjunto do que houve antes dessa fase.

- Você é poderosa, héim? Como é mesmo o seu nome?

- Estranha saudade.

 
 

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