A PONTE
William Stutz
 
 

Ele sempre quis saber o que havia do outro lado.

Ligando uma margem à outra havia uma ponte. Era uma ponte de madeira, beiral caído e algumas tábuas soltas nada de especial, não chamava atenção.

Tinha sido construída há muito tempo e pouco era usada, pois depois da mudança do traçado da nova rodovia ela tinha ficado meio que isolada, no meio do mato, ligando nada a lugar algum. Eventualmente algum tropeiro ou peão-do-trecho a usava para cortar caminho, mas rara, muito raramente.

Não era muito alta mas uma queda podia ser perigosa, pois o córrego era raso e as águas cristalinas que corriam sob sua estrutura abrigavam muitas pedras.

Em uma de suas cabeceiras a vegetação tomava conta, samambaias imensas, escondiam pequenas teias de aranha que pela manhã brilhavam orvalhadas como pedras preciosas. Algumas moitas de trevos espalhavam-se junto aos moirões de apoio e em uma de suas pinças de madeiras havia uma grande caixa de marimbondos.

Ele gostava de ficar observando a outra margem, sempre quis saber o que havia do outro lado. Espiava curioso os aglomerados de árvores, os contornos, as sombras.

Sons, muitos sons vinham do outro lado da ponte. Cantos, rugidos, piados. E ele queria saber o que havia lá, era seu sonho, era sua obsessão.

Toda tarde ele se apoiava em um galho e ali, quieto ficava a olhar o lado de lá. Por várias vezes criou coragem e ensaiava enfrentar o trecho e realizar seu sonho, mas no instante derradeiro, por medo desistia, e esse medo o enfraquecia, sentia que se não o enfrentasse a sua vida não teria sentido. A ponte era seu desafio maior.

Naquele dia acordou decidido, faria a travessia, saberia enfim o que havia do outro lado.

Esperou ansioso a chegada da tarde, o sol estava diferente aquele dia, as nuvens mais brilhantes, uma brisa fria tocou seu corpo; sentiu cheiro de chuva.

Não se apoiou em seu galho preferido naquele dia, com o pequeno coração em disparada recostou-se na própria ponte e esperou. A noite chegava convidativa, as primeiras estrelas já se faziam anunciar, tênue brilho, esmeraldas e turmalinas.

Tinha chegado o momento da sua grande travessia ele sabia disso, iria finalmente saber o que havia do outro lado.

Ergueu a cabeça, respirou fundo, fechou os olhos, se postou para a arrancada.

Qual a sua decepção; bateu subitamente um medo incompreensível, irracional não conseguiu se mover. Lutou desesperadamente contra esta força que o impedia de avançar, sem sucesso. Resignado deitou no chão e ali se deixou ficar por muito tempo - sofria.

Se fez noite e vaga-lumes já riscavam o ar bem próximos de sua cabeça. Suspirou e deu uma última olhada para a ponte - apenas um vulto negro agora sem linhas, sem contorno sem graça, obstáculo. Ainda não foi desta vez que conheceria o que havia do outro lado. Outras oportunidades viriam pensou, outras chances.

Levantou-se amargo, sacudiu a poeira de sua colorida plumagem, passou o bico vagarosamente sob suas asas, sentiu o calor de sua pele, esticou as patas e voou para seu ninho. Melodiosamente entoou seu canto noturno.

Dormiu cansado e mais uma vez sonhou com a ponte, e claro, com o que haveria do outro lado.

 
 

fale com o autor