CÍNTIA E TEDA
Eduardo Prearo
 

Cíntia perdeu a mãe e o marido quase que ao mesmo tempo: eles morreram em um acidente. Sobrou-lhe uma quitinete, uma cachorra e alguma esperança de que o mundo surtasse mais do que ela. Há uns dois meses, mais ou menos, Cíntia vem se encontrando com uma amiga que mais lhe parece um anjo; amiga essa que se chama Maria, Deise, Carla, Mary, Mariah, Amélia, Cirinéia, etc. O porquê da amiga ter tantos nomes Cíntia não sabe, mas costuma chamá-la de Teda (não, nada a ver com a devoradora de homens que parecia ter um joelho mais gordo do que o outro). Teda e Cíntia saem juntas, exploram a cidade, procuram holofotes acesos, círculos de luz nas nuvens (isso assemelha-se ao canto das sereias, sabia?). Depois, bêbadas, surtam a todo vapor, quebrando tudo, berrando, chorando, jogando-se no chão, mijando e defecando nas própria calças em geral pretas (dessa cor justamente por causa das necessidades que uma hora sempre ficam incontroláveis). Essas duas mulheres parece serem amadas por todos, talvez por serem um tanto ou quanto autênticas (todo mundo o é?). Elas fingem que são algo, que têm uma profissão, são jornalistas, artistas plásticas, etc, assim como talvez eu finja que escreva e não escreva, entende? Queria contar um pouco da vida de Teda, mas acho que não vai dar tempo. Estou com pressa e não sei de quê. Bom, sei que Teda é sozinha, mora em um pequeno apartamento situado em uma dessas ruas chiques de São Paulo (e não é de aluguer). Ah, sim, Oscar Freire. O esposo dela não a deixou ao léu; partiu para a Romênia, não sei direito onde fica isso. Na certa ele achou que o desprezo seria o melhor remédio, mas melhor remédio para o quê? O desprezo por vezes parece se tornar a panacéia. Bom, não sei muito da vida alheia, não me interessa; o fato é que agora Teda não está tão solitária por causa de Cíntia. Conta-se que uma vez Teda e Cíntia estavam em uma festa muito legal, com muitos artistas famosos, e que Cíntia quase esmagou uma anã sem querer, caindo embriagada sobre ela. Coisas assim acontecem, sabe? Ninguém é isolado, mas se isola. Não seria possível imaginar que um grupo de pessoas isole de propósito um ser humano. Voltando a história, Cíntia e Teda não são nenhuma Thelma e Louise, dão-se mais ou menos bem com as autoridades, nunca roubaram, mataram, etc. E assim é a vida delas. As pessoas que as incomodam normalmente são amigas das autoridades, as pessoas que as incomodam não são reprimidas. Se ambas as duas são invejosas?, talvez, não sei, também o que me importa? Eu odeio dizer que o problema é delas. Não, não vou!, disse-lhes quando me convidaram para a festa do momento. Bobo, não é?, mas vou fazer o quê? Não sou muita coisa tb, e sabe-se que pobre sempre reconhece pobre. Teda me deu algumas roupinhas. Estou tão estranho agora, triste, não sei. Perdido, agitado, conspurcado. É triste a vida ser só isso e não se poder ser um cientista, por exemplo. Ainda há tempo (obrigado, Mestre), mas o que devo fazer? Tenho servido mal, tenho servido mal? Não tenho servido? Deixe estar. Grato. A vida continua...

 

 

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