CÃO COM NOME DE GATO
Ly Sabas
 
 

Era uma vez um cão com nome de gato famoso: Tom. De porte pequeno, pelo malhado de branco e castanho, olhar de jabuticaba e pernas arcadas.

Sua dona respeitava seu direito à liberdade, mantinha o portão do sobrado sempre entreaberto e sua caminha confortavelmente instalada na garagem. Morava ele então entre canteiros de lírios do campo e samambaias repolhudas.

Quando Tom era filhote aprendeu a perambular pelas redondezas e fez diversos amiguinhos, de todos os tamanhos e raças. Inclusive a humana.

Cumprimentava um com um latido alegre, outro com um abanar indolente de rabo ou umas lambidas atrevidas nos mais chegados.

O trânsito do bairro com o passar dos anos foi ficando cada vez mais pesado, mas nada impedia Tom de andar por aí. Atravessava a rua com a tranqüilidade de quem ia do pipidog para a caminha até que a visão gasta pela idade pregou-lhe uma peça e nosso herói teve que amargar diversos dias de gesso, baldinho no pescoço e portão trancado.

Lançava olhares mudos de auto-piedade, lá de sua caminha, para os visitantes que o afagavam com palavras, através das grades.

Mas vida de cão mimado, mesmo atropelado, é boa demais e o tempo passou a correr e logo estava nosso amiguinho novamente passeando pelo bairro, todo feliz.

Isso até semana passada. Até se apaixonar por uma donzela que tem uma mãe que é uma fera. Uma mãe desvairada que não pensou duas vezes ao se armar de um pau e desferir toda sua fúria no corpo pequeno, já meio debilitado pela idade, que simplesmente se recusava a sair do portão de sua amada.

E lá se foi nosso amiguinho a passear pelas ruas floridas e macias do céu. Nunca mais portões trancados, buzinas histéricas e humanos tresloucados.

 
 

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