TODO SUCO DE TOMATE É VERMELHO E NOJENTO, PARTE EMILIANO; OU APENAS A SAGA DO HOMEM QUE, VIRADO AO AVESSO, MORREU NA CONTRAMÃO DO TREM DAS ONZE
Edison Veiga Junior
 
 

Capítulo quarenta e um. A bruxa. Emiliano devorava o livro como fosse um pacote de batata chips salgadinhas crocantes deliciosas. A cada final de frase, um suspiro ou um assovio, não não, um "ufa" aliviado porque sobrevivera à trama. Todo domingo toda terça. Nos outros dias não lia não. Nos outros dias não lia nada.

Emiliano atravessa a rua devagar para que o sinal feche antes que dê tempo. Então mostra o dedo do meio para os motoristas putos que querem passar. E quase é atropelado por um motoqueiro, ziguezagueador do caos urbano. "Me vê uma Super?", pede ao jornaleiro do outro lado da rua. E depois joga duas moedinhas de dez centavos dentro do chapéu oferecido do pedinte sonolento semimorto ao canto da sarjeta.

Avenida Paulista e a revolta dos pássaros. Onde estão os fios-poleiros os cocôs as penas os nacos de pão e os alpistes? Nos tacos de pedra que ladrilham a polêmica calçada dos solavancos absurdos às damas de salto alto, apaixonados caçam mensagens de amor, poetas tropeçam em mensagens concretas, desavisados não ligam e pisam em mensagens de paz. Paixão. Sexo. Carnaval.

Perigo da cabeça aos pés. Emiliano distraído é rendido "mãos ao alto". Levam sua Super, sua carteira vazia com menos os vinte centavos do mendigo, levam seu bilhete único seu ônibus de volta seu múltiplo de dez do metrô seu trem selvagem. Trazem sua vontade de ir embora pra Passárgada.

Outro final de semana e a alegria é substituída pela dor. Inventamos viagens, vertigens, vacinas e vísceras. Emiliano nunca entrou numa casa de bonecas mas quando era criança via a irmã brincando. Emiliano nunca entendeu casa de bonecas travesseiro de penas de galinha pétalas murchas pratos cheios de vazio. Emiliano.

Emiliano. Quando crescer vai virar guerrilheiro. Pegar em armas. Honrar pai e mãe. Ler a bíblia e fundar uma nova religião.

Emiliano. Calça as botas e estranha a liberdade. A morte é assim? É assim? Assim?

Emiliano. Com seus dentes maciços e originais abre a boca e morde bem forte, ouve um trique, depois um traque, depois grita o hino nacional, Emiliano é homem, Emiliano não vai morrer, Emiliano não vai perder, Emiliano é o campeão mundial de desvio de obstáculos e pingos da chuva, Emiliano não é made in Paraguay, Emiliano é cabra macho sim senhor.

Brahma bem gelada. No balcão. Saúde! Saúúúde!! Saúúúúúde!!!

Sem nunca terminar de ler a bruxa, Emiliano virou herói de estimação.

 
 

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