CRÔNICA NÚMERO 16
Osvaldo Pastorelli
 
 

Como abrir mão do que não tenho?

A posse é algo precário e inexistente ao meu viver em extremos.

Sigo ao longo do caminho que não me pertence.

E o olhar atento da viva mãe natureza me obriga a andar ao relento bolor da noite.

Não me regozijo em saber-me vivo e amar apaixonadamente o que me faz viver.

A existência de um todo ou do pequeno fragmento que compõem o vil elemento, não me é dado saber se me pertence ou se posso ter para mim.

Não existe maldade se penso dessa maneira, maldade seria se não pensasse assim.

E penso indolentemente nos equívocos que a razão possa me fazer entender.

É como uma extensão de buracos aberta pelo amor não saciado me tornando casmurro e introspectivo.

O céu, invulnerável negror, me lava dos irreais prazeres refletidos nas esquinas da cidade.

Sigo sem rebelião anunciada por não ser à elas fiel, além do que não me deixam lutar entre os vivos e os mortos.

Muito me consterna o cambalear alcoolizado pela certeza de ser fraco e vulnerável.

São processos de crescimento que, como navalha, me corta em filete sangüíneo sem piedade.

E como vampiro faminto chupo o sangue me dilacerando o que me resta de mim.

Deixo-me sangrar pro covardia, por comodismo, por não ter legitimidade, por não ter amor que me fixe na face da terra.

Num dia não muito longínquo me dissiparei no vento triste sibilando entre as frestas da solidão.

Talvez, nesse dia liberto estarei dos temores, dos inquisidores, dos opressores, e, então me sentindo completo deixarei de existir.

(crônica inspirada no poema "Mersault corrompido ou o preceptor", do poeta Daniel Francoy, postado na lista na Terça-feira, dia 28 de março de 2000, às 20:32)

 
 

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