NALVA
Beto Muniz
 
 

Quando penso nela, vem-me uma vontade de ofertar oportunidades de expiação, de atenuar remorsos, como se Nalva fosse Adão e eu fosse Aquele que lhe deu as costas deixando-o carente de expiação e perdão: "Pai, eu arrumo..." Ainda assim, nem Suas pegadas marcavam o solo do Paraíso, indicando a direção a ser seguida pelo pobre. A injustiça original.

Nalva definitivamente me amava. Não tenho dúvidas, porém, ela não sabia andar ao meu lado. Tinha uma irritante mania de ficar meio passo adiante de mim. Incomodava-me pouco no início, mas com o desenvolvimento da intimidade, cresceu também o incômodo. Um dia lhe falei, sem dar ênfase e não querendo parecer chato, que essa mania de andar adiante de mim poderia perturbar nosso relacionamento. Ela sorriu: "bobo..." Deu-me um selinho carinhoso, no entanto, não segurou seus passos rumo aos degraus do cinema. Eu ainda vacilei, olhos fixos em seus cabelos, longos, dançando em suas costas ao alcance de minha mão... Então aconteceu, mais forte que minhas vontades, o véu da ira se estendeu encobrindo a paixão.

Tomei rumo contrário e fui embora levando os ingressos.

 
 

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