VIDA DE NINGUÉM
José Luís Nóbrega
 
 

Seu Zé ninguém saiu cedo pra trabaiá, todo feliz de se vê. Na padaria do Praxadis, ninguém se importô cus noticiário da TV. Uns trem tinha exprodido, muita gente inda ia morrê. Lá pros lado do estrangero, num lugar chamado Madri, coisa triste de se vê. Zé ninguém sem nada intendê, disse umas palavra, sem terminá o pão de comê: "- Memu longe, Seu Praxá, vai sobrá pra nóis aqui, podis crê!"

Cheganu no trabaiu atrasadu, viu que ninguém trabaiava inda não. Havia gente do sindicato, vigiadus pelus capanga do patrão. Falava os home letrado que as lei iriam mudá. A solução dos pobrema era uni os empregado, que vivia como condenado, trabaiando como escravo, sem nada recebê. Aquilo era vida de gado, ganhá pra migáia comê. Falô Zé Ninguém pra si memu, sem se apercebê: "-Tamu tudo desempregado. Tão tiranu o poco que nóis tem pra vivê."

Zé Ninguém se desfez da lorotera, foi cortá cana, num querenu sabe daquele fuzuê. Uns reclamava das féria vencida, das hora extra pra fazê. Zé ninguém assobiava bem alto, pensano com vontade de dizê: "-Se recramá perco o serviço, tenho dois fio e muié pra mantê."

Trabaiô o dia intero, mão calejada de uma carreta de cana cortá. Saiu dali realizado, sabenu que ainda havia muito arquere pra coiê. Afinar de conta tinha um irmão desempregado, robanu galinha pra de fome num morrê. Quiném um filósufu Zé falô no meio do povo, sem tê do que se arrependê: "-Eh tristeza dura! Vivê nesse mundo de meu Deus, sem tê nada pra fazê!"

Chegô em casa cantano, sentiu de fora o chero do aio queimano, tava quase na hora de jantá. Lavô as mão no tanque baxinho, deu um abraço no fio sujinho, que num queria as mão lavá, ino os dois pra mesa comê. Vendu os fio sustentado, disabafô pra valê: "-Eta mundo sem portera! Mundo bão pra se vivê!"

Zé Ninguém foi pro quarto sem pressa, dexanu pra trais dona Fulô. Lá cheganu se ajeitô nas cuberta, sem preocupação pra se tê. Ali num se sabia o que era Big Brodis, ou noticiário da TV. Home feito já era, pra que tanta coisa conhecê? Mais otras coisa importante inda havia pra se fazê. Antes de pegá no sono, do corpo adormecê, Zé ninguém se sentinu sozinho, deu um grito de estremecê: "- Venha logo pra cama, muié, pra outro fio nóis dois fazê."

 
 

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