MAIS UMA INCRÍVEL AVENTURA
Zeca São Bernardo
 

Era ali um pórtico...não talvez coube-se ou ficasse melhor a palavra portal, pensou Maciel enquanto atirava ao cesto de lixo outra folha de papel. Faltava-lhe as palavras e sem querer abusar da redundância em si sobrava-lhe os sentimentos. Todos confusos, claro, mas sinceros.

Passara parte de sua juventude naquelas salas e agora- justo naquele momento- não conseguia achar as palavras adequadas para escrever o artigo que sairia no pequeno jornal do bairro ainda aquela semana.

Como explicar? Como definir as emoções em si? E, principalmente, como assumir seu amor pelas paredes velhas, pelo cheiro de pipoca com manteiga ou o gosto dos caramelos de café, que só encontrara lá?

Sendo isto também mais uma dúvida que nunca conseguira sanar, afinal, se eram caramelos tinham que necessariamente ter gosto de café ou de leite?

O primeiro beijo numa prima mais velha, sua primeira namorada, fora roubado sobre os acentos forrados de couro tingidos de verde e pouco mais confortáveis que os bancos da igreja do outro lado da rua. Logo após as luzes serem apagadas...

Tantas lembranças, dedilhou na velha máquina de escrever- velha hoje, nesses nossos dias de modernidades e supérfluos, contudo, naqueles áureos dias era a máquina de escrever mais moderna do mercado- sim, naqueles dias que deixaram tantas saudades- continuou e deixando de lado os "ismos" e o medo de ser taxado de brega ou de démodé continuo seu artigo- as coisas eram tão diferentes. Íamos ao velho cine Imperial certos de que viveríamos mais uma aventura com Tom Mix, Durango Kid e que depois assistiríamos extasiados a mais um musical.

Lembrariam- se os vizinhos e os amigos? Lembranças- disse baixinho em quanto com a mão apalpava a mesa á procura da xícara de café- lembranças não salvaram o velho cinema falido há quase uma década.

Mesmo assim, insistia, tinha que fazer a sua parte! Lutar com as armas que dispunha para evitar que no antigo palácio dos sonhos de sua juventude surgi-se outra loja de fastfood qualquer.

Acabou o trabalho as quatro e meia da manhã, as mãos doíam, os olhos vermelhos denunciavam a falta que o sono fez. Mas estava feliz, conseguira terminar o artigo e o levaria pessoalmente até a redação do jornal. Pois não confiava nesta história de e-mails que os netos afirmavam ser um método seguro e confiável de envio e recepção de informações.

Imagine só você- confidenciou- me certa vez- confiar seus trabalhos a suposta memória e velocidade de uma máquina! Um verdadeiro absurdo!

Num mundo de tantos absurdos Maciel Nogueira encontrou utilidade nas economias que guardou a vida inteira e somadas ás economias de seus sócios compraram o velho cinema, reformaram e o que parecia ser uma empreitada condenada ao fracasso tornou- se um ícone entre os espaços tidos retrós do centro velho de São Paulo.

Onde com alguma sorte consegue- se um par de ingressos e pode- se assistir a uma boa sessão de cinema como nos tempos da vovó e do vovô. Deixando- se levar pelo fascínio da tela grande e não limitado ao sofá de casa ou a telinha da sua TV!
 
 
fale com o autor