DO ESQUECIMENTO AO DETALHE
Cristiana Tibau
 
 

Entre sacrificar algumas grandes de recordações e lembrar de detalhes, há de se cuidar muito bem dos pequeninos. Para que em dia de tristeza e melancolia, numa fração de segundo e num pequeno resquício de atenção, um deles nos salte aos olhos e nos traga um sorriso aos lábios.

Então, ao esquecimento com o baile de formatura, para que aquela miríade colorida das asas da borboleta que pousou tranqüilamente no dedão do meu pé em algum verão passado, possa ser lembrada e arquivada para algum momento de maior necessidade. Que o último emprego seja esquecido, mas que a veia latejando na têmpora do ex-patrão seja lembrada, para traze de volta o gostinho da vitória.

Ao esquecimento com o primeiro beijo, lá longe no início da adolescência, meio sem jeito e sabor, para lembrar com riqueza de detalhes a textura da língua que me beijou esta manhã, carregar o resto do dia a sensação na boca do estômago e atravessar a segunda-feira incólume.

Que a imagem do corpo no caixão se perca na memória, para lembrar que as mãos dela eram iguais às minhas, que basta olhar para o ângulo do dedo mínimo para trazê-la bem perto. Que grandes nuvens brancas e gordas caiam sobre sobre as nossas derrotas, mas que fiquem presas na porta da geladeira todas as pequenas lições.

Ao colecionar meus pequenos tesouros, deixando-os guardados em caixinhas, gavetas, páginas de velhos livros e pedaços de papel, perco o medo de vir a esquecer da vida. Talvez porque o mínimo delicado seja o perfeito gatilho para trazer de volta a emoção do momento vivido e, certamente, sempre preferi as emoções aos frios fatos.

E quando eu morrer, antes que me esqueçam, por favor, espalhem pelas praças e jardins de toda a cidade, joquem do alto dos edifícios e pela proteção das pontes, enviem em cartas seladas e e-mails, todos os meus pequenos detalhes, pois sendo pequena e detalhe me unirei à memória do mundo para ser esquecida.

 
 
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