RUANA
Francine Ramos
 
 

Pela lateral, onde gotículas da chuva escorriam na parede amarela, formando abaixo uma pequena e estreita poça d'água onde seus passos lentos acompanhavam no mesmo ritmo das gotas que caiam da ponta da planta, que ficava ao lado da porta de madeira grande, onipotente, com a maçaneta envelhecida pelo tempo. Um pouco adiante, o jardim com plantas mal-tratadas e a grama mal cortada afirmando que aquela casa estava abandonada, ou que tinha moradores muito desordeiros.

E uma nova lateral surgiu em seus olhos a fitar a parte interna da casa pelo buraco da fechadura. "Um enorme corredor com chão de madeira escuro e sem fim". Mas o lado de lá do corredor dava para a porta da cozinha, parte pouco freqüentada por ela na sua distante infância em todas as casas que morou. Respirou fundo tentando calar sua angustia, sentindo as batidas do seu coração que confundia com as goteiras por todos os lados.

Lembrou de seu carro lá fora, que talvez, pelo deslumbramento quando avistou a casa, estaria inundado de água. "Será que fechei os vidros". E saltou um degrau abaixo olhando para trás, sentiu um vulto atrás de si, um vulto pequeno, sua mente dizia, mas com a mesma frieza que a Medicina a ensinou, Ruana virou sem medo e encarou cada detalhe da varanda: as plantas e suas gotículas, a chuva escorrendo pelos cantos e o enorme jardim em sua volta. Não viu mais nada, nem sentiu. Abriu a bolsa e procurou a chave da casa, precisava cumprir o planejado, precisava se manter fixa em sua busca e não deixar que sua vida tortuosa a desconcentrasse da sua tarefa, mas não era fácil.

E por alguns segundos sentiu-se com aquelas madames que passeiam todos os dias no shopping, pois vasculhava e vasculhava sua bolsa e não encontrava a chave. "Maldita chave, maldita que sou com a minha bagunça.".

Sentou no canto da escada a fim de não se molhar tanto com a chuva que parecia aumentar, e calma, sem medo dos trovões, relâmpagos e vultos retirou os objetos de sua bolsa. "Tenho que encontrar a chave". Refez todo o caminho até chegar a casa. Do momento que pegou a chave no bolso da outra calça até os passos feitos pela varanda da casa branca: lembrou da chuva que não cessava, das plantas mal cuidadas e também do vulto que sentiu atrás de si. Não se intimidou, continuo a retirar todas as coisas da bolsa: a chave da sua casa, do carro, um espelho quebrado, seu batom preferido, um pente, um laço, sua carteira, uma foto dos amigos novos que fez na semana passada, outro batom, uma pulseira que ganhou de sua mãe, um anel de coco comprado na praia, uma pétala de rosa vermelha, uma tampa de cerveja, um rótulo de wiskie que colecionava, moedas e moedas espalhadas por todos os cantos da bolsa. E aquela luz fraca a impedia de procurar melhor, lembrou dos detalhes da chave: não muito grande que cabia na palma de sua mão, com um buraco na ponta, formando uma argola com um pequeno pingente que ela não decifrou o que era, e o desenho completava como aquelas chaves tradicionais de casas antigas, um cabo reto, descendo na ponta um pequeno quadrado, fazendo desenhos "sobe-e-desce" nas pontas; e somente assim a chave se compunha, tentou apalpar os objetos dentro da bolsa, mas nenhum parecia com a chave: um isqueiro, cigarros, charutos, colares e até uma calcinha encontrou. "Mas e a chave?".

Voltou a ficar em pé, suas mãos suadas começavam dar o primeiro sinal de desespero, seus olhos queriam derrubar lágrimas, mas Ruana forte, não deixou que isto acontecesse. Era sempre assim, quando estava próxima do choro lembrava de sua mãe brava dizendo "Engole o choro". E então, Ruana se transformou nessas mulheres fortes, que não choram, mas sentem vontade, porém seguram-se em si mesmas e não deixam que ninguém as olhe com fragilidade, ternura e qualquer sentimento ligado à doçura. E então ela sorriu, mostrando seus belos dentes resultado do aparelho dentário que usou na adolescência, sorriu mais, e um pouco mais, até que produziu um som. Risada boba, quando retirou a chave, a tão sonhava chave de dentro do bolso de sua calça.

 
 
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