TRÊS EM UM
Maria Carolina Santos Gesuele
 
 

O trajeto da minha casa para o trabalho, de ônibus, dura aproximadamente uma hora, e nessas idas e vindas, presto muita atenção nas pessoas; tanto no comportamento como nas conversas. Conversas às vezes muito divertidas, outras tristes, outras de arrepiar os cabelos... E assim não sinto o tempo passar e a viagem se torna menos cansativa e entediante.

Hoje, por exemplo, entrei no ônibus, sentei ao lado de um senhor de terno, com uma pasta na mão, mas ele estava cochilando. Tinha momentos que chegava a bater a cabeça no vidro, mas mesmo assim não acordava. No banco da frente, tinha uma senhora negra, gorda, sentada sozinha, com várias sacolas na mão e uma toalhinha para enxugar o suor. Logo em seguida entrou uma mulher, sentou-se ao lado dela e disse:

- Bom dia, dona Angelina! Caiu da cama hoje? Aonde vai tão cedo?

- Bom dia, estou sem os óculos minha filha, espera um instante...

E fuça-que-fuça, remexe as sacolas até que encontra os óculos, daqueles com o cordão para pendurar no pescoço:

- Mas não é que é a filha da Gertrudes! Bem que eu percebi, mesmo sem os óculos, linda como sempre! Como está sua mãe, minha filha? Há quanto tempo que não vejo! E olha que moramos na mesma rua... Eu, depois que tive o derrame, ficou mais difícil ainda sair de casa, minha vista parece que ficou pior, sabe. Mas você não me respondeu, como vai sua mãe?

- Dona Angelina...

- Sua mãe é uma jóia de pessoa, sempre pronta a ajudar quem precisa... Mas falando em ajudar, você quer saber onde estou indo?

- Sim, mas...

- Minha filha Rosana... Com seis filhos, acabou de parir o sétimo! Uma menina agora, benza Deus, mas aquele marido dela não presta pra nada, aí é a mãe aqui que tem que acudir. Pergunta se ele sabe trocar uma fralda? Pergunta se ele acordou alguma vez de madrugada quando os filhos choravam? Nunca! Agora fico eu lá, naquele aperto, tendo que limpar bumbum de criança até ela sair da dieta. Ah, eu já não tenho mais idade pra isso não, viu?

- Você não casou ainda, né?

A mulher tentou falar, mas dona Angelina já entrou na frente:

- Não faça essa besteira, minha filha! Você é nova, tão lindinha, não estrague sua vida. Você vê, casei tão nova, nem pude estudar e ter uma profissão... Só fui colocando filho no mundo e ainda fiquei viúva com os filhos pra criar. Meu marido era ótimo, só bebia um pouco, mas nem ficava violento, desatava a falar que chegava a me doer a cabeça. Às vezes eu tinha que dar um grito, aí ele parava.

Enxugou o suor da testa e caiu na gargalhada. Foi o momento que a mulher conseguiu para interrompê-la e falar:

- Dona Angelina, preciso me despedir da senhora, está chegando o meu ponto. Eu sou a Gertrudes, minha filha está na maternidade, teve uma menina também, vou conhecer minha netinha hoje!

- Gertrudes, minha filha, é você?! Bem que eu estava percebendo mesmo,mas depois que eu tive o derrame minha vista piorou, sabe...

Desceu Gertrudes, ficou dona Angelina, enxugando o suor com sua toalhinha e resmungando baixinho.

No banco de trás, mãe e filha conversavam sobre sonhos. A mãe estava contando o sonho que teve na noite passada:

- Filha do céu, mas era tanta cobra no chão, cada uma de uma cor... Eu não tinha onde pisar! Aí vinha o seu pai, na maior calma do mundo, pegava cobra por cobra e fazia carinho nelas... Vê se pode? Isso só pode ser traição, né? Dizem que sonhar com cobra é traição... Será que seu pai está me traindo, Juliana?

- Ah, mãe, que besteira é essa? Isso é lenda, coisa que o povo inventa. A senhora deve estar insegura por algum motivo, por isso anda sonhando essas coisas. E o que mais teve o sonho?

- Bom, depois as cobras foram sumindo, seu pai também sumiu e apareceu a sua avó, dizendo que sentia saudades e estava me esperando para ir embora. Mas sua avó já morreu Juliana! Será que eu vou morrer também? Deve ser isso, vou morrer de desgosto pela traição do seu pai...

- Mãe, deixa de bobagem! Que a senhora vai morrer isso eu tenho certeza – a mãe com os olhos arregalados – mas não se sabe quando!Eu também vou morrer, talvez até antes da senhora.

- Deus que me livre, minha filha.

- Então pára de tentar interpretar seus sonhos, depois a senhora fica colocando minhocas na cabeça. Mãe, não é o papai naquele carro ali, com aquela loira?

- Aonde, me mostra que eu vou lá agora!

E Juliana deu uma gostosa gargalhada:

- Brincadeira mãe, me dá um abraço que já vou descer. Eu te amo.

- Também te amo, minha filha, boa aula.

E para finalizar, quase chegando ao ponto final, onde fica meu trabalho, no mesmo banco da dona Angelina estava agora um rapaz, deficiente auditivo, usando aparelho nos dois ouvidos. E no banco da frente, uma senhora com um garotinho de uns quatro anos, com a camisa do São Paulo, que não parava sentado um minuto e queria subir na janela, e mexia com todo mundo, dava risada, cantava... Até que ele olhou sério para o moço deficiente e perguntou:

- Moço, você está ouvindo rádio?

O moço caiu na gargalhada e respondeu:

- Estou sim! E adivinha o que estou ouvindo?

- O quê?

- Jogo do São Paulo com o Corinthians!Espera um pouco, - colocou a mão no aparelho para fingir que queria ouvir melhor – não acredito! Gol! Foi um golaço!

- De quem, moço?

- Do São Paulo, né, campeão!

 
 
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