VAMPIRO
Aline Carvalho
 
 

A arma secreta era sua inteligência. Sabia que tinha uma cara terrível. Sabia que outros também achavam. E sabia tirar vantagem disso. Enquanto a turma plantava milho, ele já estava com o bolo pronto, ó...

As mulheres não gostavam dele. A princípio, ficou incomodado. Depois, encarou como natural o fato de que os seres do sexo oposto eram inacessíveis a quem nascera com aquela cara. Porque o cérebro, elas não podiam ver. Pelo menos imediatamente.

Inventou um código. Um código de cores. Cada tipo de mulher, uma cor.

As alaranjadas eram as piores. Aquele tipo que banca a boazinha. Cumprimenta, dá a mão. Às vezes, até um beijinho. Por dentro, o nojo revolvendo as entranhas, o relógio mental tique-taqueando bem alto os segundos que faltam para sair daquela situação. Quando vira as costas, ouve o suspiro... ai!... alívio e repugnância. Um resquício de comiseração que nem cogita de acalentar. Ela quer caminhar rápido para o mundinho perfeito onde não exista uma criatura assim.

As roxas eram as piores. Acusavam a sua presença, e como! Apontavam, mostravam para as outras, riam... A repugnância explícita. Saiam comentando. Continuavam comentando e contando você não acredita o homem que eu vi ontem... Superiores, com seus sorrisos perfeitos de dentifrício e de aparelho desde a mais tenra idade. Com aqueles cabelos sempre limpos e cheirando a tudo de bom. Corpos bronzeados, não esqueléticos, bem nutridos, normalmente com blusinhas cor-de-rosa mostrando o piercing com um brilhantinho na barriga. A risada ficava ecoando depois que elas viravam as costas.

As vermelhas eram as piores. Essas, nem o olhavam. Com elas, era a síndrome do homem invisível. Julgavam-se boas demais para o mundo. Eram médicas, advogadas, professoras. Gente que trabalhava com gente, mas não se igualava. Gente de jaleco branco, de salto alto, colar de pérolas. O trabalho esperando, o marido esperando, os filhos esperando... sem tempo de olhar para o lado, para as aberrações que a natureza, mesmo sem a permissão delas, criava.

E assim, ia, ao longo da rua movimentada e suja, colando "post-its" coloridos na testa das mulheres com quem cruzava, de acordo com o estranho código que sua mente superior havia criado. Contentava-se em fazê-lo, até que surgisse a oportunidade de, com os dentes secretos que criara e com sua inominável sede de sangue, tornar o mundo colorido de verdade.

 
 
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