A ESTRIGE DO MAR
Eduardo Prearo
 

Sam obtém talvez a certeza de que Sion é mesmo um vampiro depois que o fotografa com o celular em uma festa de aniversário. Vai, então, embora sem que Sion perceba, assustadíssimo. Correndo pelas ruas ermas da madrugada, volta ao pretérito recente...

Era uma noite quente de verão e a praia, supervazia, abrigava somente Sam, que estava deitado contemplando as estrelas. De repente, um ruído de alguém gemendo de dor o despertou: um homem saía do mar, vindo direto e rápido ao encontro dele, noctigenamente.

--- Por favor, preciso de ajuda. Meu barco naufragou, meu nome é Sion e...

--- E você quer que eu acredite nessa história estúpida. Bom, de qualquer forma, vejo que você está feridinho. Posso levá-lo até um pronto-socorro.

--- Não, não aguento a luz, sou fotofóbico.

--- Ah, essa é boa! De malandro sem-vergonha o mundo está repleto. Mas, eu como sou um bom samaritano, vou-lhe ajudar. Vamos até minha casa a poucos metros daqui.

Era anormal: Sam sentia conhecer Sion há séculos. Colocou-o em um quartinho de empregado e viu que o rapaz ao deitar na cama, dormiu imediatamente. Pela manhã, Sam foi acordar o esquipático, porém quando abriu a porta do quarto, Sion gritou de dor por causa da súbita e enorme claridade.

--- Devemos conversar no escuro, --- verbalizou Sion.

E assim foi. Sion e Sam iniciaram uma longa e quase silenciosa amizade no escuro. O náufrago ficou dois meses na casa de Sam, que lhe dava carne crua para comer, todo o dia. Sion exigia a tal da carne crua.

--- Sion, não é por causa de sua beleza que estou lhe ajudando, nem de homem gosto. Tem muito mendigo belíssimo pela cidade. Mas é porque você...bom, você me parece um...ah, deixa pra lá. Há dois meses que você está aqui. Vá embora, não vou ficar justificando o porquê, mas vá embora logo. Beleza é fundamental na juventude. Daqui a pouco ficamos velhos e calvos e vão reclamar de alguma forma.

--- Esta bem, Sam. Mas amanhã. Hoje não íamos a uma festa, querido?

--- Sim, nós vamos. Mas amanhã, então, Sam, beijinho, beijinho, pau, pau. Não quero vê-lo mais aqui, está me ouvindo?

A festa começou às dezenove e Sam e Sion foram pontuais. Era aniversário de Millady Silvia, bela emergente que já morara no morro São Jorge. Bexigas vermelhas e muito funk tornavam a festa charmosa. Sion não saía do banheiro e sempre se ouvia um grito abafado vindo de lá...de euforia, é claro. Ou não...

Sam retorna ao presente e se acha correndo por uma rua deserta. Sion não saiu nas fotos, vampiros não saem em fotos. Coincidência, o celular deve estar quebrado. Sam se sente um louco, e loucos surtam, não se irritam, ainda mais loucos acima dos quarenta, que sonham em ser michê, mas não gostam de academia. De súbito, Sam avista dois morcegos que começam a rodeá-lo. Um é a cara de Sion, e o outro, veja só, a de Millady Silvia. Sam pensa na risperidona que esqueceu-se de tomar, pega no bolso o caderninho de sanidade, abre-o em uma página marcada, lê algo e suspira. Sim, Sion jamais existiu, foi tudo uma alucinação, e os doutores vão garantir...

 

 
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