ATÉ A ÚLTIMA GOTA
Mariazinha Cremasco
 
 

Djalma tinha quarenta e poucos anos. Barba ruiva, olhos espertos, mãos pequenas e delicadas.

Havia quem dissesse que era gay.

Casado com Olivia, pai de Débora, aparentemente frágil e desinteressante quando ao lado da mulher, a quem fazia questão de chamar "minha esposa".

Olívia, mimada e cheia de vontades, fazia dele gato e sapato. Personalidade forte, inteligentíssima, rosto lindo, corpo feio e extremamente gordo, porém dotada de uma auto-estima invejável. Talvez, essa auto-estima fosse a responsável pela admiração que causava em quase todos que a conheciam, e que não enxergavam sequer seus piores defeitos.

Realmente, quem olhava para Olívia, só enxergava seu extremo carisma, seu sorriso contagiante, sua alegria de viver, o amor que dedicava à vida e principalmente a si mesma.

Djalma fazia-lhe todos os gostos. Perto dela, ficava ainda menor, desemxabido, parecia mais um asno, um imbecilóide do que um engenheiro bem sucedido.

Seus olhos pareciam para-brisas olhando de soslaio pra lá e pra cá. Um periscópio, captando imagens de Olívia por todos os lados. Ela era o seu maior bem, e todo o seu mal.

Pois é. Djalma tinha sucesso na profissão, e quando longe da mulher, mantinha a espinha ereta, o olhar altivo. Sabia falar e se comportar, dava sugestões e tinha grandes idéias. Isso lhe rendia um alto salário, que alimentava os luxos da mulher.

Débora, a filha mimada pelo pai e sem qualquer carinho da mãe, era antipática, fria, briguenta, birrenta, insuportável.

Moravam num bairro de classe média alta, muito perto de um dos mais caros colégios da cidade. Olívia recusava-se a levar a filha para a escola. Seus dias eram só seus. Débora ia e voltava com o ônibus escolar, saía horas antes de casa, por causa da boa vida da mãe.

Olívia na sua mesquinhez total, e sempre preocupada com seu próprio umbigo, vivia de olho nos homens. Todos a olhavam e a cobiçavam. Todos na verdade é exagero.

Que desculpem o pré-conceito, que na verdade nem é meu, mas os homens que se interessavam por ela sempre eram operários, de nível cultural, social e econômico, muito abaixo do dela, bibliotecária que nunca tinha exercido a profissão.

De amante em amante, ela vivia a vida. E costumava dizer com a voz cheia de personalidade, como se fosse a dona da total verdade:

- Djalma, a culpa é sua. Desde quando nos casamos eu avisei que gostava muito de sexo. Você nunca correspondeu às minhas expectativas.

E o pobre homem curvava-se e encolhia diante de tais palavras.

Os porteiros do prédio riam dele. Diziam que ele não cabia mais no elevador por conta do tamanho dos chifres.

E não se sabe porque Djalma aguentava tanto. Ela teve tantos amantes que chegou ao ponto de recebê-los em casa nos horários de aula da filha. Djalma no fundo sabia, mas era um dependente daquela mulher e isso nunca se entendeu ao certo.

Uma das frases preferidas de Olívia, que deixava o pobre homem arrasado:

- Como posso ser feliz com um homem que tem ejaculação precoce, mau hálito e pau pequeno?

- Você sabia que eu era assim antes de nos casarmos.

- Mas você deveria ter mudado, eu pedi que procurasse ajuda, médicos, psicólogos. Agora aguente, Djalma.

Até que um dia ela se apaixonou de verdade pelo funcionário de uma autorizada de carros. O amante era bonitão, cheiroso, e entrava na casa como todos os outros: pelo elevador de serviço.

Foi com Leopoldo que Olívia aprendeu o que era sofrer. Leopoldo, casado, pai de três filhos, aproveitava-se do amor de Olívia, e a extorquia como podia.

Claro que Djalma ficou sabendo, e ficava feliz vendo o sofrimento da mulher. Dizia para si mesmo: "Ela merece. Farão com ela o que faz comigo."

Nunca alguém entendeu esse relacionamento tão estúpido. Por que ele não se separava dela? - perguntavam-se todos.

Um dia, entendi o que acontecia. Djalma gostava mesmo era de sofrer, de se lamentar aos amigos.

Sentia um prazer doentio em sofrer, e ser vampirizado por ela, que o sugava de todas as formas.

Implorava-lhe sexo, e ela negava. Rastejava por amor, humilhando-se.

Um dia Djalma ficou na espreita esperando a hora que o amante subisse pelo elevador de serviço. Deixou que passasse dez, quinze minutos, para depois subir pelo elevador social.

Os porteiros ficaram entre assustados e felizes. Finalmente aquele corno ia pegar a gorda com seu amante pobre.

Djalma entrou pela sala, silencioso e ágil como uma raposa , e deliciou-se ao ouvir os gritos de prazer que vinham do seu próprio quarto.

Aproximou-se para assistir à cena. Olívia fazia com aquele homem o que sempre se recusara a fazer com ele. Ao invés de estar indignado, raivoso, Djalma estava excitado. Como amava aquela mulher, que prazer e dor aquela cena lhe proporcionava.

Naquele momento tudo o que Djalma queria era o sexo a três. Lembrou-se que um dia chegara a propor à Olívia ir a uma casa de swing, coisa que ela recusou injuriadíssima. Como? Ela? Uma mãe de família? Era mesmo muito contraditória e engraçada essa mulher.

Enquanto Leopoldo urrava sobre Olívia, já quase chegando ao orgasmo, Djalma com os olhos em chamas masturbava-se freneticamente, e sua respiração ofegante se fazia ouvir.

Olívia olhou assustada, e enxergou Djalma enquanto Leopoldo gozou.

Antes que o amante percebesse o que estava acontecendo, a mulher, furiosa, saiu da cama num pulo, com ódio por ter desperdiçado um orgasmo com seu amor, agarrou o marido pelo pescoço com as duas mãos, enquanto ele ao invés de se defender ficou totalmente à mercê de seu bem maior.

Num gesto de amor à Leopoldo e de ódio ao intruso, Olívia com uma força que só a insanidade pode fornecer, arrastou Djalma até a janela e inexplicavelmente levantou-o com as duas mãos, como se ele fosse um boneco de plástico e o atirou do décimo andar.

Djalma não mais seria sugado por ela. Com sua morte, acabou com a vida de Olívia, coisa que sempre quis fazer.

 
 
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