HAURIR
Patrícia Martins
 
 

O sol já avançava 3 horas quando a garotinha de olhar curioso sentou-se ao meu lado. Cansada do extenuante calor, fui ao parque sentir a brisa do outono. Sentei-me em um banco onde o vento fazia esvoaçar-me os cabelos aprazivelmente. De súbito, percebo que uma menina que devia ter uns 8 ou 9 anos senta-se perto de mim. Lia um livro. Achei interessante uma menina tão nova lendo livros especialmente nesse país que ninguém lê. Pus-me a pensar se algum dia eu terei uma filha e se ela se interessará por leitura.

Após alguns minutos em um respeitoso silêncio, olho de soslaio e vejo a garota com uma imensurável expressão de dúvida, mirando o nada. Encaro-a, com a intenção de que ela converse comigo.

Respondendo ao meu olhar, a garota aproxima-se e diz:

-Olá! Meu nome é Fabi. Posso te perguntar uma coisa?

Sorridente, digo que sim, claro. Ela pergunta se eu conheço uma espécie de "raça" "sobre humana" que suga o sangue das pessoas até elas morrerem, não andam durante o dia pois o sol as faz morrer, que tem feições pálidas e dentes afiados.

O que eu não sabia era que a Fabi era uma tagarela e desataria a contar-me toda a história dos vampiros que já estamos cansados de saber.

-Eu estive lendo um livro e já sei muito bem como me proteger deles. Olhe esse grande crucifixo aqui, está sempre comigo. Espalhei alho pelo meu quarto inteiro. Tentei convencer a minha mãe a deixar eu fazer isso na casa inteira, mas ela quase me botou de castigo e mandou eu parar de ler essas baboseiras. Depois das 19 horas só fico dentro do meu quarto, e quando vou ao banheiro escovar os dentes, vou segurando o meu crucifixo de prata. Estou bem protegida deles. Você se protege? Não tem medo de ser atacada por um?

Aproveitei a brecha para tentar abrir-lhe os olhos para a realidade.

-Fabi... Sinto te informar, mas os vampiros não são vistos há muitas e muitas décadas. Qual foi a última notícia que você leu em jornais sobre vampiros que atacam meninas à noite? Agora, há um tipo de gente, desumana, que estes sim, oferecem perigo à sociedade. E todos os dias saem noticiários a respeito deles. Eles nos atacam indiretamente, sugam-nos a alma e nos deixam enfraquecidos.

-Eles andam durante o dia também?

-Sim! Andam durante o dia, com roupas muito mais caras e luxuosas que as nossas. Principalmente lá em Brasília, onde eles vivem e atuam como os "vampiros do século XXI".

-Mas eles só sugam sangue de pessoas que moram em Brasília, então? - diz a garotinha com um fio de esperança.

-Infelizmente não, Fabi, lá é apenas o lugar onde eles põe em ação os seus planos de enfraquecer o povo, de tirar os direitos da nossa sociedade. Todos, especialmente as classes mais pobres, são atingidos por eles.

-Qual o nome deles?

-Há dois tipos: políticos e "empresários".Os políticos são os que sugam nosso dinheiro, através dos impostos e usam em seu próprio favor. Fazem as nossas condições ficarem péssimas e impedem o país de crescer. Os grandes empresários são aqueles que cobram absurdos em coisas de pouco valor. Aquelas grandes empresas que pagam uma mixaria ao trabalhador e sem mais nem menos mandam-no embora deixando-o a ver navios, sem perspectiva, sem dinheiro, sem emprego. O povo brasileiro vive em uma realidade muito triste. Não podemos culpá-los por tudo, mas também não podemos deixar de notar que a "alta sociedade" nos deixa meio que sem alternativas, sem chances.

- Como posso me defender deles? Água benta? Alho?

-Aconselho você a estudar, muito. Ler, ser uma pessoa bem informada e criar uma opinião a respeito das coisas. Quando estiver um pouco mais velha, junte alguns amigos e lute contra isso. Há quem diga que isso nunca dará resultado, mas acredito que, se já não existem vampiros, que nos causaram tanto mau, por que esse políticos corruptos ainda estão aí? É preciso acabar com o conformismo, isso é outra coisa que acaba com a nossa força. Importante é não ignorarmos o fato de que somos prejudicados por uma série de leis e regras estúpidas que só favorecem a eles. Mas de qualquer forma, boa sorte com os vampiros, ok?

A garotinha, com o olhar vidrado, fechou o seu livro e saiu andando, atônita, pensando no que havia lhe falado. "Tomara que ela entre na realidade e não deixe o quarto dela fedendo a alho" pensei antes de eu voltar para casa.

 
 
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