A TERÇA DE MARTA
Leila Silva Terlinchamp
 
 

Loira, mas loira de cabelo pixaim, só crescia para os lados. De nada adiantava essa cor herdada da mãe. Feia. Era o que o espelho lhe mostrava todos os dias. E os olhares desinteressados que só passavam sobre os seus ombros? Além. Sempre além. Não sabia o que a incomodava mais, os que mentiam para ‘consolá-la’ ou os que escancaravam o desprezo como a insuportável da Cláudia que já passava pela porta da secretaria com os dentes arreganhados, distribuindo bom dia. Além. Para o seu lado ela mal olhava, entre as duas havia um fio invisível, uma antipatia recíproca, conheciam a fronteira, sabiam que pertenciam a mundos diferentes. Cláudia, cabelos pretos, lisos, cheia de grana. Do marido, claro. O trabalho na escola era só para constar. Mulher moderna. Ela mesma gostava de deixar claro que o seu salário não dava para pagar nem os empregados da casa. Empregados, assim mesmo, no plural, eram sete. Pelo menos era o que dizia. Burguesa! E ela, Marta, ali com mais de vinte diários para colocar em dia, o da Cláudia, antes mesmo de abrir, já sabia, estava cheio de erros. Era sempre assim, não dava a mínima. Diabo de vida, ter que suportar gente dessa laia. Cláudia não vinha ali para ensinar, vinha para falar mal das empregadas e para se exibir, balançar braceletes de ouro, prata... E tinha gente que ainda achava bonito. Faltava pouco aplaudir quando ela vinha com um papo de hierarquia, a filha podia até brincar com o filho da empregada, mas na hora de comer cada um no seu lugar. Chama-se ‘preservar a hierarquia’ na linguagem dela. Êta mundo besta, pra lá de besta. Terça-feira ainda, merda, ia ser duro chegar ao final da semana. A sexta parecia um ponto distante, um deserto para atravessar até chegar nela. Quem sabe não encontrava um oásis no meio do caminho? Ai, capaz que a vida ia lhe dar um oásis, se em quarenta anos....ia era esquentar mais ainda a areia desse deserto. Terça-feira! Não ia conseguir chegar até sexta olhando para a debochada da Cláudia, ouvindo aquela risada esganiçada. Ia conversar com a chefe, pedir uns dias, adiantar férias, qualquer coisa, o que fosse para não surtar. Claro, como não pensou nisso antes: dores de cabeça, dor nos músculos e nas juntas, febre alta, fraqueza igual a dengue. Solucionado o problema desta semana, depois do almoço já não voltaria mais...depois do almoço nada, nem ia abrir a porcaria do diário da Cláudia, ia embora já, quem ia dizer que sua cabeça não estava estourando? Era só passar no médico, listar os sintomas, ir para casa e de lá telefonava para a escola. Pipoca, televisão e sossego. Paz por uma semana.