EM SEGURANÇA
Maria Cláudia Mesquita
 
 

Outro dia amanheceu e Paula continuava segura que a melhor coisa a fazer era deixar os pensamentos deitados no escurinho da mente. De olhos fechados ouvia os sons da manhã insistindo em não se lembrar dos compromissos que não tinha. A vontade maior era a de fugir de si mesma, como se fosse possível não lembrar que existe. Por um instante tentou lembrar-se da imagem do 3x4 do seu RG. Os números embaralhavam, o retrato ia ficando turvo, a digital se transformava em gotas que evaporavam do documento. A carteira se esvaíra. Saltou do sonho em susto. Pesadelo? Abriu seus olhos sem pensar. Lembrou-se de si ao ver a velha rachadura no canto da parede. Fechou os olhos para esquecer.

Outro dia amanheceu e Paula continuava segura em seus sonhos. Os sons da manhã provocavam curiosidades. A menina da casa vizinha estava rindo e os sons invadiam o quarto de Paula que apertava cada vez mais seus olhos como quem quer tapar os ouvidos. Ao ouvir a menina seus pés se lembraram que estavam formigando junto com uma vontade louca de se levantar para ver a criança. Virou-se de lado e antes mesmo de lançar as pernas para fora da cama, abriu seus olhos. A rachadura continuava lá, como se estivesse velando seus sonhos.

Novos-velhos sons de manhã invadiam seu quarto dia após dia. Raios de sol chamavam por Paula enquanto alguns passarinhos insistiam em cantar. Nos dias de verão os sons se intensificavam, pareciam mais coloridos. Sentiam saudades de Paula. Toda manhã seus sonhos teimavam em acordar. Até o momento que abria seus olhos. A rachadura, segura, sempre desejava bom dia. Até o outro dia.