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Luísa Athaíde
 
 

Ontem à noite, aqui no parque, choveu muito. As folhas acumuladas na última semana se foram com a água. Hoje o sol está tão forte que temos que sair de casa antes dele. É preferível que seja, elas começam a chegar depois das sete. Elas, as naves longas e emborrachadas. Cada vez mais ligeiras, passam rente nossas cabeças. O apocalipse é todos os dias.

Todos os dias milhares de nós são dizimados no planeta. Dizem que há guerras imensas neste mundo. São Projéteis gigantes que cruzam o céu. Os mais velhos nos contam que eles matam por muito pouco. Será verdade? È possível, nunca deixaram de nos triturar. Mas sabem que existimos, há livros sobre nós, nossa anatomia, histórias inteiras de nossos antepassados. Os mais jovens às vezes param e nos observam, então sabemos que não somos invisíveis. Há perigo nisso também. Louvado sejam os bons corações dos meninos.

Dizem que há vida depois do lago. O lago é aquele em que moram os peixes gigantes. Os meninos vão até lá e dão pães aos peixes. Os meninos sorriem, o barulho do riso é agradável. Nossas crianças sorriem em perfeito silêncio, a infância é curta. Mas cá embaixo, depois do grande túnel escuro, a vida é serena. Há lagos sem peixes e muita fartura de folhas. Dividimos o trabalho e as crianças aprendem. Se quisermos as estrelas, vamos até lá fora e, abrimos os braços para elas. Se não houver muita brisa não há perigo. Vivemos aquém do muito. Nem muita chuva, nem muito sol, nem muito vento.

Dizem que o planeta é dez vezes o lago dos meninos e dos peixes. Será que existe um planeta assim? Há em tudo uma centelha divina, nos diz o grande livro. Eles, os meninos e seus pais, devem ter a tal centelha também. Quem sabe um dia já fomos como eles. Mas todo o ser vivente, evolui nos diz a extrema Sabedoria. À noite, em círculos, sob as estrelas, damos as mãos e agradecemos. Agradecemos por estar num planeta dez vezes maior que o grande lago, e convivermos com seres tão primários. Fugir sempre deles faz parte do nosso crescimento, quem sabe a última missão até ascendermos em direção às estrelas.