UM OLHAR DISTANTE
Pedro Brasil Junior
 
 

Foi num entardecer cor de prata que descobri teu olhar entre as nuvens. E fiquei pincelando formas com a ajuda do vento. E foi naquele breve adeus do sol que segui meus passos pela calçada. Mas o teu olhar continuava lá, me vigiando. Então; naquela noite de lua esplêndida decidi pelo nosso encontro. Escolhi o melhor vinho e as mais frágeis taças de cristal. Tudo haveria de ser tão puro como a beleza do teu olhar. Me debrucei na janela e fiquei contando os pontos cintilantes no céu. Sim! Havia uma suave brisa que trazia consigo o aroma do teu perfume. E na calçada, a cada balançar dos galhos do arvoredo, pequeninas flores iam caindo e formando um majestoso tapete por onde você certamente haveria de passar. Mas quem passou foi o tempo! Passou bailando em seus melindres e eu fiquei contemplando o vazio enquanto escrevia minha história. Adormeci com a cabeça apoiada nos braços e mergulhei num sonho desses que devem acontecer a cada século. Na verdade, meu sonho nada mais era do que meu próprio livro de vida. E você estava lá, com o teu olhar sorrateiro, remexendo meus segredos. Então, me peguei ouvindo uma canção antiga e vi no banco de uma praça a elegante dama com sua bela sombrinha. Quanto tempo havia passado durante o meu cochilo... Mas ainda consigo lembrar de que ela olhava de um lado para outro, ansiosa pela chegada de alguém. Havia um perfume de jasmim pelo ar e era, por coincidência, um final de tarde também cor-de-prata. Ela levantou-se, deus alguns passos e olhou para trás erguendo um pouco a sombrinha. Foi ali que o tempo fez a cena parar, como um daqueles fotogramas que nos leva a imaginar a continuação do filme. Mas eu tenho comigo a certeza de que apesar da época distante, apesar de ter sido apenas um sonho, o olhar da bela dama era o mesmo que se perdia entre as nuvens do meu entardecer. Quando acordei madrugada afora, a lua se recolhia e os primeiros raios do sol incitavam todas as vidas. E assim, sol e lua tão próximos e tão distantes, como você e eu neste deslocamento astral onde, apesar da distância, das diferentes épocas, conseguimos com toda sutileza, trocar olhares por entre as cores do mundo.