CAVALGADA
Carla Deboni
 
 

Se apenas com as pontas dos dedos eu pudesse aprisionar a textura das paredes que rodeiam meus sonos, sonhos, trocas de roupas e a preguiça que em meu quarto impera, eu saberia os limites da minha individualidade.

Se o canto ao longe batesse em meu ouvido com encanto, e me fizesse os olhos levantar em direção ao céu, os gestos leves, o rosto acariciado pela brisa que antecipa mais um dia de verão, eu entenderia a liberdade.

Se o tropeço no jardim fizesse com que o relevo da cicatriz não passasse de arte de criança levada, assim como o sorvete que tingira a roupa com um desenho que parecia uma bailarina desajeitada, eu aprenderia a acariciar uma lembrança.

Se as palavras saídas da boca querida não mais ferissem, e os ouvidos fizessem das duras palavras cochilos de ternura, e a mão levantada simulasse apenas mais uma carícia, eu compreenderia o perdão.

Se os olhos não conseguissem piscar, o corpo estremecesse a um simples toque, os cabelos se lançassem ao doce balanço dos dedos e as bocas não buscassem nada mais que o aconchego de seu destino, há tanto na palma das mãos já enlaçadas, eu entenderia o amor.