TEMPO
Eduardo Prearo
 
 
Jorge era tido como insano e inconseqüente. Insano nem tanto, mais velho, velhaco. Incomodava-o ultimamente sentir-se estudado, não olhado, admirado, mas es-tu-da-do antes de alguma crítica nascer em forma de sussurro. Perdulário, passara a semana sem um centavo, fingindo-se de jejuador para si mesmo. E agora, no domingo de maio, o derradeiro do mês, a solidão crescia e crescia. Jorge andava insatisfeito pelas ruas e avenidas da cidade até que tropeçou em uma pedra e caiu. ENTÃO VOCÊ ME DIZ QUE É BOM SEGURAR UMA PEDRA QUANDO SE ESTÁ COM RAIVA? VOU TENTAR FAZER ISSO SEM MOLHAR O MINERAL, LILLY. Ficou caído na calçada um bom tempo; pessoas passavam e sorriam. Nossa Senhora das Dores! Até que um desses moradores de rua estendeu-lhe a mão.

--- Sai daí, irmão, senão te matam. Essa de se passar por vítima de alguma coisa é velha; invente outra. Vamos, vou levá-lo para o albergue da cidade, um dos melhores da América Latina.

--- Sai daí você, tenho ainda onde morar. Pronto, olhe, estou de pé. Estava fazendo um tipo de exercício para pedestres. Escuta, diga-me uma coisa: você me acha bonito?

--- Você é feio pra dedel, é que nem a gente, só que parece cerejinha.

--- É CEREJINHA, É CEREJINHA?

--- DEIXE-ME VER, HUM...NO MAL SENTIDO, NÉ?

Jorge realmente afastava um pouco as pessoas por causa de seu esteriótipo. Digamos que ele estava mais para Liberace do que para Humprey Bogart. Vai, vai. VAI, VAI, QUALQUER UM CANTA COMO VOCÊ. MAS SE A BANDA RESOLVER ALGUMA COISA, TE LIGO, CARA.

--- POIS ACHEI QUE CANTEI AS TIMES GOES BY MUITO BEM. SOU NOVO AINDA, QUERIA FAZER CARREIRA. SENÃO, QUERIA SUMIR.

--- CARREIRA DE QUÊ, CARA? VAI TRABALHAR. VOCÊ NÃO TEM VITALIDADE PRA SER ARTISTA!

A solidão crescia. Jorge foi embora do galpão de ensaio esperançoso, talvez mudassem de idéia. Era pungente descobrir-se medíocre, um grão de areia pela primeira vez, nos verdes anos, levado um pouco adiante pelo vento.

--- A VONTADE QUE EU TENHO É DE TE PULVERIZAR, SEU MENDIGO NOJENTO.

--- PULVERIZE VOCÊ E SUA INSANIDADE. JÁ ESTÁ ACABADÃO, QUER O QUÊ? E É CARECA.

--- NÃO TENHO CULPA DE SER ASSIM, CALVO.

JORGE VIROU A CARA LENTAMENTE E CONTINUOU ANDANDO. O DOMINGO ESTAVA PRA TERMINAR. ENTROU NO QUARTO ALUGADO ONDE MORAVA E TOMOU NEPENTES. O TEMPO PASSARA TÃO RÁPIDO E HAVIA ALGUMA COISA ESQUECIDA AO LONDO DOS ANOS. MAS O QUE ERA? QUEM LHE DERA LEMBRAR...