A TIME FOR LOVE
Claudio Alecrim Costa

Sobre o piso de gelo, casais deslizavam em roupas elegantes enquanto a música de Leroy Jones misturava-se às sombras de braços, pernas, vestidos, milhões de expressões, alegria demente, lágrimas metálicas do choro quase humano do trompete, algaravia feita de notas musicais, chuva elétrica sobre cabeças febris, atmosfera sexual, seios vítreos, fumaça soprada de cigarros cujas brasas espalhavam-se como estrelas de fogo num céu apocalíptico, luzes cortando corpos em batalhas futuristas, cheiro agridoce de bocas lânguidas, mulheres exuberantes, pernas de mármore, dentes de marfim borrados pelo acidental batom, gargalhadas como gozo de amantes anônimos, protagonistas de novelas sem nomes, romances de Balzac, sussurros barrocos, beijos úmidos, banquete profano de que me fartava sem parar de olhar para Penny, solar, pequena escultura clássica sob vestido que cobria parcialmente seu corpo delgado, pele pintada por Modigliani, febre queimando meu corpo viciado, extenuado pelo desejo.

Por entre a turba, serpentei até chegar a Penny. Olhou-me com um sorriso discreto, ao mesmo tempo em que procurava algo que não esperava encontrar na pequena bolsa.

- Como vai Afonso?

- Estou perdido...

- Posso ajudá-lo?

- Pode me salvar...

- Eu? - sorriu com volúpia

A interrogação de Penny me empurrava para uma queda fatal. Senti meu corpo despencar no vazio sem fim...

- Esquece... É uma piada.

- Vamos dançar?

Definitivamente não era o homem perfeito. Não tinha o glamour de um sedutor. Esperava ter Penny em meus braços e esquecer tudo ao meu redor. Mas era preciso cumprir o ritual, dançar e levar seu frágil corpo pelo vasto salão, exibindo a mulher feita de todas as coisas que amava na vida, caleidoscópio, por onde via sonatas, pinturas impressionistas, paisagens orientais, cafés parisienses, Claude Bolling, vinhos em taças de cristal, lençol crispado como o mar em camas nuas.

- Gostaria de ir até o jardim...

- Não sabe dançar?

- Podemos dançar no jardim...

- Você é adorável, Afonso...

Girou o corpo e pegou com elegância um copo de vinho. Esticou o braço para que eu a conduzisse. A levaria para onde quisesse. Tentaria roubar uma estrela para ornar seu pescoço delicado.

No jardim, eu olhava para o céu projetando visões que me acompanhavam desde que conheci Penny. Não estava em sua companhia, que recriava como uma sinfonia muda dentro de mim. Vivia encantado pelo encontro inédito, palavras imaculadas, gestos ensaiados, diálogo que se repetia em minha cabeça, cenários improváveis de um amor calado, sem toques e hálito...

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