O PRATO DE CADA DIA
Daniela Fernanda
 
 

Levantou-se cedo naquela manhã fria e nublada. Gostaria de ter ficado mais um pouco na cama, tirado um cochilo talvez, mas o corpo já estava dolorido e o sono já havia lhe abandonado há algumas horas.

Foi ao banheiro, porém, como de costume antes disso deixou o quarto impecavelmente arrumado. Os cabelos estavam soltos e já era hora de prendê-los, afinal aquele dia poderia ser um dia diferente e alguém poderia lembrar-se dela e fazer-lhe uma visita inesperada.

Olhou seu reflexo no espelho e percebeu que já não era possível contar o sem numero de cabelos embranquecidos. Foi exatamente nesse momento que a tristeza e a solidão se aproximaram daquela mulher e tentaram invadi-la, da mesma forma que faz uma enchente com uma casa frágil que contém muitas frestas. Ela então, preferiu relacionar cada fiozinho branco com um pensamento nobre que teve ao longo de sua vida, e dessa forma conseguiu expulsar as únicas visitantes daquela lânguida manhã.

Em seguida retirou a roupa de dormir para banhar-se, e todo seu corpo foi refletido pelo ingrato amigo. Via agora os seios murchos, sem brilho, quase sem vida, quase sem vida. Antes que a vergonha pudesse tocá-la, lembrou-se que um dia tivera os seios firmes e farto, e com eles havia amamentado e feito crescer saudável cada um dos seus filhos.

Já de lado, mesmo que de relance, viu as varizes das suas próprias pernas. Mulher forte aquela. Não permitiu que o sentimento de inveja lhe fizesse odiar a juventude, pois sabia que cada uma das varizes, retratava um grande passo que ela dera na vida.

Entrou no chuveiro, molhou-se e sorriu. Sabia que antes mesmo de ela ter nascido, seu querido e sábio avô havia desejado que ela chegasse exatamente aonde chegara.

Ela não era uma mulher diferente dos outros idosos que terminam a vida sozinhos. Ela, como a maioria dos outros, achava a velhice um prato de sabor extranho e melancólico. Mas como tinha feito da sua vida tudo aquilo que desejou fazer, agora saboreava esse prato, como quem saboreia um prato doce. Um prato transbordante e insaciável de doce melancolia.

 
 
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