SONHOS AZUIS
Hugo Carvalho
 
 

Sonhar não faz mal. Nem quando sonhos da juventude tenham se desfeito em antigos blues, ouvidos por desatentos ouvidos. Afinal, as saudades que ficam das noites insones, freqüentadas por desencantos e desamores, podem se transformar na prazerosa solidão do escrever doces lembranças, dividindo-as então, com muitos que, naquelas noites distantes, não testemunharam nossa (in)felicidade.

A música fora o contraponto da união. O azul, a cor da esperança. Os cigarros e os baseados, os companheiros calados. O blues, a expressão das tristezas.

Uma guitarra dilacerada, um dente de ouro e olhos de fumaça e cafeína, uma voz rouca com olheiras escuras e um esfrangalhado e não correspondido amor foram o começo e a base do "Cigarrete Blues".

Poderia ter sido "Blues Dreams". Sonhos azuis, gosto mais.

Que, de olhos abertos, cantando, sonhavam fazendo outros sonharem seus sonhos. É verdade que flagrantes, sangue, histeria, adeuses, cabelos despenteados, corações sujos, sanduíches frios, ouvidos duros, humilhações, fizeram parte da história, naquelas noites mal dormidas e de depressões. Nas estradas e nos corações.

E o amor? Ah! o grande amor mal interpretado, não correspondido, embriagador, machucado, triturado, feito pó. Um pó, como a poeira das estrelas, que rasgando a noite deixa tudo iluminado. Um pó que libera as emoções, confunde os sentidos e faz a vida se vestir de azul.

E mais blues...Incompreendidos, inaceitos, vaiados, rejeitados, fazendo virar a mesa onde se apostavam todas as fichas dos sonhos da cor do céu. Que se transformaram, por uns tempos, em ritmos de gosto duvidoso, para dar sabor e animar insípidas e medíocres vidas mal vividas.

Mas, blues são blues. Eram paixão. Voltaram, entremeados aos pagodes e forrós, agora com mais dois outros sonhadores. O fã que se convertera numa guitarra viciada em cocaína e o baixista, menor que o próprio baixo, carente de tudo e alma feita candura.

E o grande, o inesquecível encontro, o sonhado romance de uma noite eterna, amanhecido em lençóis cheirando a amor?

Tinha que acontecer para aumentar, ainda mais, a doce melancolia de compartilhar agora os sonhos azuis, vividos na colorida ribalta da vida.