LILÁS SOBRE AZUL
Luísa Athaíde
 
 

- Ó Poseidon, grande deus do mar! Dê um sinal de sua proteção. Faça surgir das águas um Touro branco e eu o oferecerei em sacrifício! Eis então que avançou calmamente das espumas brancas o animal.

A mulher caminha alguns passos e entra no espaço que lhe parece uma sala. O teto é irregular e escuro e vai caindo em curva até encontrar o chão. Ouve barulho de água. Conta oito homens em semicírculo à sua espera. Um deles aproxima - se . Um prato lhe é estendido, ela afasta-o com decisão:

- Odeio poesia.

- Por favor, responda-nos; Como você pretende atravessar o mar?

- A nado. Diz a mulher.

- São milhares de milhas até a costa.

- Eu não possuo barco e também não vejo o mar.

- Está à esquerda depois das pedras, na linha dos ombros.

Sob a penumbra da sala, a mulher faz meio giro e vê o muro de pedras. Ouve longe o vai e vem das ondas.

Todos maravilharam-se do poder de Minos diante de Poseidon e curvaram-se ao novo rei da ilha de Creta. Minos olhou aquele animal tão bonito e não cumpriu sua promessa.Procurou em seu rebanho um touro qualquer e o ofereceu ao deus das águas salgadas.

Um dos homens aponta à mulher no canto da sala o par de asas encostado à parede:

- As penas foram recolhidas do oceano.È um presente.

No fundo do mar, Poseidon enfureceu-se com a traição de Minos e usando seus poderes mágicos fez sua mulher alguns meses depois dá a luz a um ser com corpo de criança e cabeça de touro. O bebê refugou o seio materno. A horrível criatura alimentava-se de carne humana. No fundo do berço, ainda em sono, descansava o Minotauro.

A mulher veste as asas ajustando-as ao corpo.

Cada um alimenta a alma com sua própria essência, diz o homem que estendera o prato. O mesmo prato lhe é novamente apresentado. Com as mãos recebe o alimento. O gosto de cinza molhada lhe inunda a boca.

- Pode ter o gosto de sua fruta preferida. Coma devagar e procure o sabor.

A mulher sente aos poucos gosto de damasco. Os olhos lagrimejam. Inspira fundo. Apóia o prato sobre a mesa. Abaixa-se e lava as mãos. O piso da sala é pedra sob água em movimento.

Minos chamou Dèdalos, o inventor. Sob suas ordens Dédalo e seu filho Ìcaro construiram a morada para o Minotauro. A prisão fora feita de corredorores sinuosos . Os desvios enganavam a razão, não havia como sair. do labirinto . No centro, o único prisioneiro em sina de cego procurando em vão a luz do sol. Só os arquitetos da prisão conheciam o segredo. Minos, temendo que eles o revelassem, mandou trancá-los no Labirinto. Sabendo que os conhecedores do segredo chegariam à saída pelo mar, mandou vigiar o litoral dia e noite.

A mulher espera o sinal de partida. Recebe a primeira instrução :

- Nem tanto ao mar e nem tanto ao sol.

Dédalos não desesperou -se. Usando toda a imaginação que lhe deu o criador mandou Ìcaro trazer todas as penas de pássaro que achasse. Construiu assim dois pares de asas. Colando -as com cera disse ao filho:

- Com nossas asas, atravessaremos o mar e encontraremos refúgio em alguma parte. Mas é preciso cuidado, por isso iremos pelo meio dos ares, nem rente à água, nem junto ao sol.

Ìcaro prometeu atender os conselhos do pai, e seguiu-o. Primeiro em vôo desajeitado depois com mais confiança.

A mulher atravessa a sala e posiciona -se sobre rocha firme. Sente o vento cruzar a ponta do nariz e espera o momento. Sabe que foi lhe dada nova oportunidade e sente nos ombros o peso da responsabilidade. Cruzará o oceano em vôo solitário. Não sabe quando encontrará terra firme e que paisagem a espera. O céu é vasto, silencioso, calmo e profundamente azul. O gosto de damasco sobre a língua lhe. serena a alma. Observa o imenso vazio entre o mar e a pedra sob os pés, e ouve a ordem às suas costas:

- VAI !

Ìcaro embriagou-se no prazer do vôo e lançou-se às alturas. Subiu mais e mais e aproximou-se do sol. As penas aos poucos soltaram -se e a queda tornou-se pedra arremessada na escuridão do Oceano.

A mulher abre os braços ao vento. Os lábios tremem, os olhos fixam um ponto à frente. Os cabelos abrem sua horizontalidade à brisa. O céu recebe o corpo e o protege.

Novo par de asas está encostado à parede. Os homens chegam à saída da gruta. O ponto dissolve-se aos poucos como fumaça no azul do céu. A água doce corre entre as pedras e mistura-se ao mar.