O ANTI ALFREDO
Mariazinha Cremasco
 
 

 

 

Alzira,

Estou me despedindo. Meu amor é tão grande, que não posso ficar mais sofrendo desse jeito.

Fiz de tudo pra você me amar, escrevi nossos nomes nas velas acesas sobre o prato com mel, guardei dentro de uma maçã, fiz despacho com pai de santo, trabalho na encruzilhada, joguei flores pra Iemanjá. Tudo isso pra você me querer, pra você me amar. Até escrevi Alzira num papel dentro do congelador, depois tirava e colocava na água fervendo, na esperança de que se você sofresse, voltaria pra mim.

Mas que nada, Alzira. Você só fez me desprezar. Nunca estava pronta pro meu amor. Quando deitava ao meu lado, ficava com o pensamento em outro lugar. Hoje eu sei onde andava seu pensamento, e quem era o dono do seu coração. Como fui burro, como fui cego. Agora entendo o porquê de todo corno ser manso.

Os melhores presentes que meu salário podia comprar eu lhe dava, todos os dias lavava a louça do jantar, deixava de ver o jogo pra você ver a novela, e nunca reclamei das contas altas de telefone, onde você falava sem parar. Era com ele, agora eu sei.

Eu lhe quis, eu lhe pedi, eu lhe implorei. Alzira, por que? Aceitava tudo, meu amor. Só pedia para não me trair. Que cego eu fui. Todos sabiam que você tinha outro, menos eu.

Quantas vezes, na rua, me sentia sozinho em plena multidão. No reveillon do ano passado, na Avenida Paulista, lembra? Uma multidão brincando e eu infeliz, sofrendo, vendo minha amada cantar e sambar. Você enchia aquele vestido branco, Nunca foi um modelo de beleza, mas para mim, sempre a mais linda. Acho que aquele tal sentia atração pelos seus feromônios. É. Ele nunca lhe amou.

Alzira, meu amor, estes seus feromônios são o inferno da minha vida. Lembra daquela noite, na festinha de aniversário da Vanda? Estava na sala tomando cerveja quente com a turma (eita, gente pra receber mal) e você na cozinha, repondo os tira-gostos. Alzira, eu vi. Eu vi, Alzira, com estes olhos, o marido da Vanda te encoxando na pia. Como vocês puderam? Aquele dia eu já me senti um desgraçado.

Hoje eu sei que você nunca me enxergou como homem, você me tinha para fazer figuração, para pagar suas dívidas, eu era o tapete pra você pisar, era o chão para você cuspir, era o banheiro pra você dar a descarga.

Por que, Alzira? Justo com aquele safado e sem vergonha do Alfredo?

Não podia ser com outro? Que vergonha, Alzira. Que vergonha. Justo com o Alfredão? Pensa que eu não fiquei sabendo que você usava meu dinheiro para comprar presentinhos pra ele? Pensa? Descobri até que as suas amigas mentiam para acobertar você. E sabe o que você é para o Alfredo? Uma aventura, um número a mais na agenda dele. Ele não lhe ama, Alzira. Nunca lhe amou. Ele só queria tirar você de mim. Ele quer todas. Todas que tenham um homem.

Alzira, até Viagra tomei, para satisfazer você. Nunca precisei, mas achei que se ficasse teso por mais tempo, apagaria este seu fogo e você não teria mais ninguém. E você detestou, Alzira. Riu de mim. E contou praquele homem bonito e bem apessoado que eu tinha tomado remédio pra ereção. Justo pra ele, sujeito de fala mansa, a quem muitas mulheres entregaram o coração e muitas outras coisas mais.

Isso eu não posso suportar, Alzira. Eu ouvi ele conversando no bar sobre o tal remédio, e tenho certeza que era de mim que ele falava. Isso não se faz, Alzira. Por isso, minha querida, meu amor, quando você ler essa carta, minha vida estará acabada. Mas não pense que o remorso de carregar minha morte nos ombros vai ser a sua única dor. Você vai chorar muito, minha querida. Você vai sofrer muito ainda. Porque antes de acabar minha vida, acabei com a vida do Alfredo. Saia, corra, vá depressa conferir onde está o seu amante, morto, cheio de formigas, vai.

Coitado, ele não teve culpa, era a natureza dele. Não traiu ninguém. A culpa foi toda sua, vagabunda!

Alfredo e eu não lhe daremos paz.

Um beijo, minha querida. Eu lhe amo, sua puta.

Para sempre seu,
Armando.