- 142ª atualização -
TEMA PROPOSTO
DOCE MELANCOLIA
INSPIRADO EM BÁRBARA HELENA

 

Para tudo existe um tempo, diz o Eclesiastes: tempo para nascer e tempo para morrer, tempo para plantar e tempo para arrancar o que foi plantado. Então, chegou minha hora de abandonar os Cigarette Blues. Vinha com esta idéia na cabeça quando fumava calada sob a lua redonda de Igaçaba ou comia poeira nas estradas secas de Minas. Olhando a platéia desinteressada e a fome de Billie que não era minha. Estava cansada de sofrer. Um dia acordei e o mar dentro do peito vazou. Arrumei as coisas, deixei um bilhete para Billie, outro para Marina e Mimi. Eu não faria falta. Era apenas uma companheira envelhecendo. Quando saía na madrugada, depois do show, silenciosamente para não acordar os outros, dei de frente com Billie. Ele olhou a mala e meu coração na boca. Perguntou:

- Está fugindo de nós?

Respondi com a cabeça. Voz não tinha, o mar afogara.

Ficou calado um tempo, muito tempo, dava para ouvir os sapos na madrugada.

- Por que?

Procurei a voz no inferno e respondi:

- Não sei. Acho que preciso de um tempo.

- Tempo? - ele riu.

- Tempo para mim.

- É amor? - riu de novo, o dente de ouro brilhou

Eu quase respondi é amor sim, amor, desprezado, humilhado, amor esmagado na ponta da sua bota de blueseiro. Mas a desconhecida em mim respondeu seca:

- Que amor... é cansaço mesmo... coisas...

- Tudo bem, menina, a vida é sua. Vou sentir sua falta.

Segurou minha cabeça, puxou pra ele e me beijou a testa, cantarolando baixinho:

Embrace me
my sweet embraceable you
embrace me
my irreplaceable you

Eu cantei junto baixinho, mar vazando no peito, agüentei firme. Depois peguei a mala, sai sem olhar pra trás, tropeçando no coração.

(excerto de um dos capítulos de Cigarette Blues, publicado aqui no sítio dos Anjos de Prata)