WANDERNILZA
Beto Muniz
 
 

Turma de desocupados! Sujeito não tem nada para fazer na vida e acha que encher os pacovás da gente é distração. Solícito, amargando um desemprego monstro de setenta e dois meses, topei fazer mais um serviço pela vizinhança. Dona Wandernilza, a descasada do sobradinho, três casas acima de onde fica a pensão, estava com receio das chuvas de verão. Falou em goteiras e transbordo na calha no último pé d'água. "É provável que seus canos estejam entupidos" sem malícia, porém, ela sorriu maldando meu diagnóstico. "Dois dias no telhado" - presumi ainda profissional. Primeiro dia eu gastei tirando e reposicionando telhas. Só parei para as refeições, prato feito na varanda da cozinha, formal, e merenda na copa com direito à pouca conversa fiada e alguma amizade. Segundo dia já veio convite pro cafézinho antes de pegar no batente. Passado na hora, conversa estendida e o 'Dona' foi pro espaço. "Prefiro que me chamem de Wanda". Comecei cuidando da cumeeira e pela hora do almoço estaria terminando a revisão das calhas. Foi nessa hora que passou um desocupado e disse, em tom de troça, que bolo amanhecido é mais gostoso. Falou isso e riu sem nem mudar a cadência dos passos. Desceu a rua, passou pela pensão e parou na esquina, no boteco do Jucélio. Eu já pensava no pedaço de bolo da merenda de ontem, quando o sujeito saiu para a calçada apontando jocosidades para o meu lado, nisso tinha outro tonto emparelhado, rindo. Vagabundo estava armado! Um taco na mão.

Bem se vê a diferença! Eu estando desocupado logo arrumo um jeito de atarefar as horas, não fico dia inteiro na sinuca esticando os dias com outros sem serventia. Encarrapitado na borda do telhado, ignorei os vadios e continuei tirando limo da calha, desobstruindo os encanamentos da separada e garantindo o dinheirinho do mercado. Lá embaixo a dupla abriu uma cerveja. Levantaram os copos assoviando e brindando obscenidades na minha direção. Não se falta assim ao respeito com a mulher que está me tirando a barriga da miséria! Olhei o tempo, céu carregado sobre a zona norte... Essa tarde promete alagamentos, mesmo assim desci, avisei a boa mulher que era hora de almoço. Pela janela deu pra ver que a mesa estava posta para dois. Contrariando suas expectativas recusei delicadamente o prato feito que ela queria me preparar. Aleguei compromisso rápido, prometi que na merenda entrava para um café fresquinho e fui no bode do Jucélio, tirar satisfação com a cambada.

Pedi uma cerveja e ovos de codorna. Apostei duas melhor de três valendo a conta e ainda, só para humilhar, cantei as bolas antes de matar. Tive sim a oportunidade de meter uma seqüência de cinco na caçapa. Mas achei que estava de bom tamanho cantar só as três primeiras, matar a quarta em silêncio e deixar a quinta na boca... Tudo tem limites! Exibicionismo quando a parada já está no papo é o mesmo que chamar para a briga. E eu sou de paz. Pedi a saideira e brindei gozando os desocupados: "Marrecos, o céu está baixo, melhor eu desentupir logo os canos de Dona Wandernilza - frizei bem o Dona". Tomei meio copo numa talagada: "O resto e a conta são dos Patos", e voltei pro batente. Subi no telhado apenas para fazer hora até a merenda, nem bem entrei para o café, veio o dilúvio. Caçapa!