A ÚLTIMA CHANCE
Mauro Darcy Spinato
 
 

A coxa ainda dói. Os joelhos sujos de grama e terra têm pequenos espaços sem pele. Os jogadores andam a sua volta, inquietos. A bola está fixa no local indicado pelo juiz da partida. Com o pé encima da bola ele observa a movimentação. Está frio, impassível. Sente-se o centro do universo quando tudo parece acontecer em câmara lenta. Por um momento deixa de ouvir gritos, um rufar de vozes se agiganta fazendo com que o estádio inteiro curve sobre ele.

Muitas vezes presenciou cenas como esta e em todas ela imaginou-se como protagonista. O dia chegou, hoje não é mais imaginação. É o último minuto de jogo, o tudo ou nada, o último chute, o ataque final. A expectativa do gol, a expectativa da vitória ou do fracasso. A responsabilidade em seu pé, num único chute. A bola balançando a rede e a fama, um futuro, um lugar na história. Um erro e o esquecimento, o limbo.

O som do apito tira-o dos pensamentos. A barreira está pronta. Sete homens de vermelho contrastam com o verde do gramado, obstruindo-lhe a visão. Afasta-se da bola em passos lentos, para trás. Tudo é silêncio, agora. Não vê o goleiro, apenas os postes e o travessão. Faltam segundos. Olha para cima em busca de Deus, mas encontra o tempo do jogo gravado no placar. Quarenta e sete minutos, não há mais tempo, é a última chance. Fixa os olhos na bola uma última vez, como a implorar que ela siga o caminho certo. O juiz apita novamente. Seus pés movem-se lenta e vigorosamente em direção à bola. Uma pancada e ela ergue vôo. Como um corpo celeste, gira em seu próprio eixo enquanto segue em sua derradeira órbita. Aos passar pelos homens de vermelho, o quinto jogador pula tentando intercepta-la com a cabeça. Em vão. Ela segue numa parábola perfeita, matemática. O goleiro decola rumo ao mais longínquo canto de sua fortaleza. Os dois em pleno ar, disputam uma corrida de frações de segundo. Quem será mais rápido?

A mão se estende, mas a bola passa balançando a rede. A fortaleza está devassada e as asas do guerreiro somem em pleno ar, derrubando-o estrondosamente ao chão. É o fim. É a glória; e a ruína.