FICÇÃO
Suzana Garcia
 
 

Lurdinha aguardava nervosa o retorno de seu teste para um cargo administrativo de uma grande rede de televisão, embora todos os seus amigos afirmassem que não conseguiria. Até sua mãe, vejam só, até sua mãe pedia que esquecesse o teste. Esquecer? Depois de quatro entrevistas, uma dinâmica de grupo e um questionário maluco com setenta questões, como poderia esquecer? E depois, falava quatro línguas, tinha MBA pela "Université Pierre Mendès France, de Grenoble", "expert" em informática enfim, um currículo invejável. Sabia que concorria com Patrícia, alta loura e esguia. Uma ex - manequim com seus quase 26 anos, velha para as passarelas, mas com um charme perturbador, quando andava seus longos cabelos cintilavam a cada movimento,vestia-se muito bem, também pudera, pensava Lurdinha, depois de Prada, Dijon e Goutier, não é possível vertir-se mal, mas certamente ela não passou, disto Lurdinha tinha quase certeza.

Após descrever Patrícia a seus amigos, chateou-se, apesar de seus óculos delatarem sua miopia, seu manequim ser dois números acima de sua estatura e ainda faltar um ano para remover o aparelho de seus dentes, Lurdinha considerava-se uma pessoa charmosa. Alta estima é o que não lhe faltava, mas seus amigos afirmavam que só o fato de ser uma rede de televisão, onde as pessoas primavam pela imagem, a probabilidade de Lurdinha ser chamada era remota.

Duas semanas de espera, a cada toque do telefone Lurdinha saltava do sofá para a mesinha do telefone, às vezes sentava ao lado, para ter certeza que seria a primeira a atender. O salário era muito bom e considerando os benefícios, daria para trocar seu velho Gol por um novo e iniciar o financiamento de seu apartamento que tanto sonhara. Enfim a liberdade seria alcançada aos vinte e nove anos.Talvez fosse esse o motivo das palavras de sua mãe, sim era isso, perderia a única pessoa capaz de agüentar seu mau humor. Ficou sabendo que sua aparente concorrente era sobrinha de um dos diretores, mas acreditava na ética da empresa. Segundo seus amigos uma inocente, era o que Lurdinha era. No Brasil, em televisão e sobrinha do diretor? Esqueça, diziam Pedro, Marlene e Jorge, todos em volta da mesa do "barzinho de sempre".

Segunda feira, oito horas da manhã, sua mãe bate à porta e avisa que alguém da televisão deseja lhe falar. O coração de Lordinha dispara, tropeça nos chinelos, corre de meias pelo corredor, desce as escadas de dois em dois degraus e após um alô, quase sem fôlego, recebe a noticia de que passou nos testes e que se apresente na quarta feira, no departamento de pessoal com todos os documentos. Ludinha olhou pro teto, respirou fundo, subiu as escadas degrau por degrau enquanto ouvia sua mãe dizer:

- Eu não disse que você não passaria!

Lurdinha deu com os ombros e voltou a dormir.

 
 
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