TRAJE COMPLETO
Ana Carla Prado
 
 

São 01:30 da madrugada, a insônia me leva ao embalo da rede na varanda, no décimo segundo andar. Meu corpo seminu entra em contato com a brisa suave e minha pele se arrepia. Me excito com os 180 graus que estão ao alcance do meu campo visual. É sábado. Salvo algumas exceções, as luzes dos apartamentos estão apagadas. Onde será que estão seus habitantes? Olho para o plano perpendicular... parece refletir as estrelas do céu. Quem disse que a noite é nua? Pessoas em bares conversam, gargalham, bebem, se divertem, conhecem outras pessoas...um burburinho constante que atiça a minha imaginação. Carros cruzam as ruas, buzinas rompem ouvidos de pessoas que procuram o sono como eu. As esquinas são habitadas e ponto certo de encontro; em uma delas dois homens negociam com uma puta. Quem ganha e quem perde nesse mercantilismo? O movimento não pára. O entra e sai no motel é constante. O sono não chega. Enquanto isso a rua se veste de automóveis, bares, mulheres da vida, homens cheios de boas intenções, gente atrás de diversão. Chega a ser bonito de se ver daqui do décimo segundo andar. Quem vai querer dormir com um visual desse?

As horas passam, o movimento não. Até que o dia finalmente chega p/ substituir o glamour da escuridão. A noite enfim se deita. As ruas? Estas se despem do seu traje completo e voltam a se vestir do básico - transeuntes se dirigem aos seus trabalhos, engarrafamentos, acidentes, gente se estressando, pivetes roubando, outros fazendo malabarismo no sinal. Sobrou algum dinheiro? Quem tem um trocado pra dar?

Volto pra cama. Vou dormir junto com a noite até chegar a hora de me vestir do básico e encarar o trabalho novamente.

 
 

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