EXPERIÊNCIA ESOTÉRICA
Doca Ramos Mello
 
 

Fui instada a fazer mais uma tomografia da cara, e até já havia me esquecido de como esse dilema me afligiu o coração e o cérebro da outra vez, mas lá fui eu, Jesus, Maria, José, foram cinco minutos em que pude rever toda a minha vida, me arrepender dos muitos pecados, pedir a Deus que a terra me fosse leve e ficar lá, durinha feito pau seco, porque se me mexesse teria de começar de novo e aí eu queria ver a moça ir me buscar onde Judas perdeu a meia, eu rogando a ela que me ajudasse, sabe, querida, tenho claustrofobia, sou asmática, não fico nem trancada nem no escuro, socorro, pelo amor de Santo Inácio, e já fui logo emendando uma Ave Maria na outra, Pai Nosso que estais no céu, Santa Maria Madalena, santos de A a Z, ninguém escapou da reza, a moça lá dando instrução e eu só Salve Rainha, mãe de misericórdia, Senhor, eu não mereço isso, Santo Anjo do Senhor, ninguém merece, piedade, Senhor, clemência, e a moça disse que se chamava Suzana, comecei a pensar, oh, Suzana, não chore por mim, estou indo para o Alabama, p'ra Bagdá, mas não fico aqui, ai, Santa Luíza de Marillac, Nossa Senhora da Conceição, dos Aflitos, sim dos Aflitos, rogai por mim, e aquela máquina monstra me ameaçando, ai, praticamente faleci quando me deitei na maca, o queixo preso por uma faixa, o pescoço de frango meio arcado para trás, a moça do Alabama dizendo para não engolir saliva, minha boca salivando feito cachorro louco, era a minha derradeira hora, me senti no corredor da morte, fui me penitenciando, pedindo a Deus que fosse misericordioso e clack, clack, clack, o monstro se aproximando, eu durinha de pedra, piedade, Senhor, clack, clack, o negócio se aproximando, meus pulmões em brasa, louvado seja Nosso Senhor, meu São Judas Tadeu, tive certeza de que o bicho desejava me encurralar, clack, clack, e, de repente, a speaker da FM da tomografia falou ao microfone 'pronto, acabou', assim, com a maior naturalidade, Santa Bárbara, mas eu continuei pregada à maca e, quando finalmente me levantei estava sem as pernas, sem o braços, careca, suada, procurando meu louro, quem sou eu, quem sou eu, e a Suzana paciente, 'passou, passou', ô vale de lágrimas, sei que enfrentei aquela máquina que avançava p'ra cima de mim como quem me dizia 'você vai ver só, papuda', estou vivinha da silva, digo, renasci, amém Jesus, porque tive aquela experiência esotérica de ficar fora do corpo, claro, aquela lá, na maca, não era eu de jeito maneira, porque um pouco eu posso dizer que morri por lá, tamanho o medo, acho que meu fantasma ainda deve estar vagando naquela sala, minha alma ainda não sabe que precisa descer a terra, tadinha, eu prefiro a morte à medicina, venha a nós o Vosso reino, ainda tenho de agradecer muito a Deus porque não foi a tal de ressonância magnética, Deus me defenda, a ressonância é um exame que inventaram para praticar eutanásia sem problemas com a Justiça, e agora que está muito na moda os maridos trocarem suas velhas esposas por mocinhas vaporosas, e eu estou querendo explicar que completou 30 anos e a mulher já entra na faixa da troca, pois bem, tem marido que vem com uma conversa do tipo 'meu amor, você está meio estranha, melhor fazer uma ressonância', ai, seja besta de aceitar e pode encomendar seu paletó de madeira, seu traje de gala definitivo, minha fofa, com a medicina moderna ninguém pode, acredite...