DE MEIAS E SEM CULPA
José Luís Nóbrega
 
 

Sentada numa cadeira de madeira, com uma das pernas cruzada, segura o cigarro em uma das mãos, enquanto a outra bate a caixa de fósforos no braço do móvel. O batom vermelho impregnado no filtro do cigarro contrasta com o verde dos olhos e o preto do vestido.

- Diga-me tudo que sabe sobre a morte de seu marido, madame - diz o delegado, jogando o corpo em direção à mesa, e o pescoço em direção àquela bela mulher.

De pernas cruzadas, permanece a depoente. O zíper aberto do vestido preto deixa à mostra o finalzinho da meia-calça 7/8. Ali desponta uma discreta renda branca, e logo acima, a presilha da liga torna-se visível.

Enquanto o delegado repete a frase: "Diga-me tudo que sabe sobre a morte de seu marido, madame", a jovem senhora, ao relaxar o corpo após mais uma tragada, faz com que o zíper suba mais alguns milímetros, deixando à mostra um ínfimo pedaço de pele à mostra.

È uma linda pele branca, aveludada, angelical, a qual combina com a renda também branca no final de uma fina meia-calça preta.

- Conheci meu marido em... em quarenta e cinco, ou... bom, o conheci há uns seis anos atrás. Não era apaixonada por ele, mas com o tempo, me acostumei, na verdade, nem sei se de fato o amei. Eu o traí, ele descobriu, e eu o matei, é isso. Mais alguma coisa, senhor delegado?

O escrevente, Sr. Lindório, boquiaberto, sem olhar para as teclas datilografa o depoimento na novíssima máquina de escrever cinza, último modelo, enquanto espera por mais uma tragada, e quem sabe, a subida de mais alguns milímetros daquele deslizante zíper.

- Pode ler o depoimento da madame, diz o delegado com o pescoço quase por ultrapassar a mesa.

"Conheci meu marido em... em dois mil e cinco, ou... bom, o conheci há uns sessenta anos atrás. Sempre fui apaixonada por ele, mas com o tempo me decepcionei, na verdade, nem sei se de fato me decepcionei. Ele me traiu, eu descobri, e ele se matou, é isso. Mais alguma coisa, senhor escrevente?" Lê o experiente Sr. Lindório, de uma só vez.

- Perfeito! A Madame está dispensada. - diz em voz alta o delegado.

Ela descruza a perna, o zíper dá uma escorregadela voltando a encobrir a renda branca no final da meia-calça preta. Caminha em direção à porta, atirando o cigarro ao chão. O escrevente Lindório espera a passagem da depoente para só então pegar o cigarro que ainda queima. Com olhar de respeito e de dever cumprido diz um até logo à madame, enquanto o delegado volta o corpo para o encosto da cadeira. Mais um difícil caso... facilmente... elucidado...