A CAMINHO DO AMOR
Luciana Pareja Norbiato
 
 

Recendendo o sabonete caro do quarto alugado em pensão de luxo do interior, pois que de passagem por aquela cidadezinha tranqüila, ela abriu o guarda-roupa de madeira maciça, com espelho de corpo inteiro na porta, e escolheu cuidadosamente um de seus vestidos, o cintado, de tecido fino cortado e costurado para resvalar provocantemente os milímetros de suas pernas, de seus quadris, de seus seios a serem vislumbrados pelo decote. Olhou-se nua, a toalha enrolada nos cabelos negros molhados, gostou de seu corpo de uma brancura quase lunar, pele suave ansiando pelo toque, na liturgia do vestir-se para o amor.

Que não era amor de fato, mas o desejo fulminante surgido em uma das quermesses a qual fora acompanhada por uma amiga e sua família, o motivo de sua viagem. Sua amiga, quase uma irmã, mudara-se havia dois anos para a cidade seguindo a família, e conhecera o amor de sua vida. O casamento seria realizado na semana seguinte, mas com o frêmito de parentes vindos para a cerimônia, que decerto abrilhantaria a vida social da cidade durante toda a semana anterior, a moça foi gentilmente convidada a se hospedar na pensão mais elegante da cidade, com despesas pagas pela família da noiva, faziam questão. Eis que na quermesse, na qual sua amiga insistia em apresentá-la aos melhores partidos da região, viu o cavalariço de um dos fazendeiros amigos da família, um peão de boiadeiro. Estava feito. Driblou com maestria a vigilância do séquito familiar e teve com o homem uma conversa rápida, mas definitiva. Que fosse discreto, ninguém deveria saber, ela era moça honesta e de bom berço, da capital. Era um bruto, o desejo fisgou-lhe mal botou os olhos na menina de nem vinte anos completos.

Olhou novamente o vestido que comprara escondida de sua mãe, um modelo muito adulto, muito justo, pouco adequado para uma moça de sua idade e condição. Orgulhava-se do feito, pois este era o modelo mais perfeito para o que se daria a seguir. Pôs as meias até a metade de suas coxas macias, introduzindo os pequenos pés em uma de cada vez, suavemente, regozijando-se com o roçar da seda transparente a envolver-lhe. Encaixou as ligas com alguma dificuldade _era a primeira vez que fazia isso_, o aparato todo comprado por uma amiga mais ousada.

A calcinha minúscula, que ela nunca vira com um tamanho tal e com renda tão trabalhada, tinha pequenos laços laterais para permitir que fosse tirada com facilidade de entre as ligas. Ela sempre soube, quando se perdia a olhar os corpos molhados dos rapazes à beira da piscina do country club, que não seria jamais como sua mãe, como sua avó, como quase todas as suas amigas. "Aquele" calor ardia-lhe entre as pernas, o fôlego alterava-se, sentia a maldade e a malícia subirem aos seus mamilos e um esgar voluptuoso rasgava-lhe quase imperceptivelmente o canto da boca. Mas era educada por freiras em convento francês e sempre soube travestir-se de moça casta e desinteressada dos meandros do amor carnal.

Sutiã de bojo.

Gotículas de um perfume caríssimo que roubara do quarto de sua mãe. Não daria pela falta, a moça sabia, tantos eram os vidros a enfeitar a penteadeira. Entre os seios, no pescoço, no ventre, logo acima dos pêlos de seu sexo.

O vestido cobriu-lhe com uma perfeição que a tornava ao mesmo tempo desejável, lasciva e pura, os cabelos secos no vapor quente e presos em um coque, um fino risco preto sobre cada pálpebra, contornada por cílios envoltos em rímel. Nenhum batom.

Calçou os sapatos de salto. Estava pronta para o prazer.

Foi para o bosque nos fundos da pensão que ressonava no escuro. Passava da meia-noite, ele já devia estar à espera no nicho mais profundo da profusão de árvores e arbustos. Um caminho de pedras largas a conduziu na escuridão, apenas a lamparina a guiá-la. Viu o ponto de luz que ele carregava. Ao mesmo tempo que se sentia nervosa, parecia ter sido feita para aquele momento.

Enconstado em uma árvore, ele esperou que ela chegasse até o pequeno pavimento em forma de círculo, onde um confortável banco coberto por um caramanchão serviria de cama. Com os braços fortes do trabalho com os cavalos e bois, pegou-a pelo braço e a trouxe para junto do peito largo. Ela segurou a respiração enquanto sentia as delícias do toque de seus dedos decote adentro.

Trocaram um beijo selvagem e sedento, as bocas encaixadas em perfeita sincronia, como se moldadas uma para a outra. Ele a abraçava com força, apertava suas nádegas sofregamente e ela gemia baixinho, quase implorando pela posse.

Deitou-a no banco com uma gentileza insuspeita para um homem da fazenda, mas seu toque transbordava uma virilidade respeitosa, sabendo que iria deflorá-la. Ele a queria. Ele a reverenciava intimamente, sem esquecer de tratá-la com um quê de safadeza imprescindível para acender o desejo.

Beijando-lhe os pés, subiu com a boca por suas coxas paramentadas, encontrou o recanto entre suas pernas, os laços laterais da pequena peça íntima foram desfeitos.

Ela nunca sentira algo assim.

A posse veio em seguida. Sem qualquer dor, só prazer e delícia na precisão da vontade daquele homem, que queria vê-la explodir de amor.

Quando chegou o momento, espasmo violento, ela não pôde conter um grito, abafado no peito de seu parceiro.

*****

O vestido branco farfalhando, a amiga exultante: quando a chuva de arroz cobria o casal recém-unido em matrimônio, ela notou, em segundo plano, lá ao fundo, ele ao lado do cavalo, olhando de longe. Um arrepio subiu por suas pernas, por seu sexo. Não seria a última vez que se veriam, até sua volta, na semana seguinte, para a capital.

 
 
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