CONVITE
Ly Sabas
 
 

Dizem que ela é afetada pela lua. Comecei a acreditar quando a vi contorcendo-se na sacada de seu quarto, parecendo banhar-se nos raios prateados. Depois sentou-se no piso frio e ficou a acariciar-se, como uma gata alisando os pêlos. Esse ritual se repetiu por toda a lua cheia. Durante o dia parecia transbordar sensualidade por onde passava. Flutuava pelas alamedas que separavam os blocos de apartamentos com o corpo harmonioso apertado em vestidos aparentemente talhados na própria pele. E eu, do meu ponto de observação, quase podia sentir seu perfume, o fogo de seu olhar e a imaginava depositária de todos os predicados dos personagens femininos de Jorge Amado.

— Ela é doida, Seu Martim. - dizia Filomena enquanto fingia tirar o pó da sala. – Precisa ver como fica diferente durante a lua minguante. Nem parece essa mulher dada aí.

Notei o tom de reprovação, mas anotei mentalmente a informação e passei a vigiar, tanto minha vizinha quanto o calendário grudado na geladeira. Era impossível não perceber a diferença, a exuberância cedendo lugar a uma melancolia de dar dó. Os passos miúdos e arrastados, cabelos presos em um coque discreto, roupas escuras e a porta da sacada fechada até a lua transformar-se em um risco brilhante no céu.

Procurei saber a hora exata da mudança da lua e me soldei à janela. Coisa fácil para quem vive como eu sem grandes coisas a fazer, a não ser observar a vida passar. Mais a vida dos outros do que a minha, em que a grande aventura de todos os dias é passar da cama à cadeira de rodas e sobreviver aos cuidados de Filonema.

Aconteceu quase como eu já previa. Lentamente apenas uma das folhas da persiana foi aberta, e, mesmo assim, parcialmente. Fiquei em meu posto até vê-la passar entre os prédios. Trazia os cabelos presos em um arranjo nem solto, nem muito preso, um rabo de cavalo estilizado. As belas pernas torneadas, escondidas sob saias longas, porém esvoaçantes, já denunciando a renovação originária da lua nova. E assim foi acontecendo aos poucos. A cada dia um detalhe mais alegre. Enquanto a lua no céu crescia, diminuía o comprimento e o volume de suas roupas, e minha fascinante vizinha mais parecia um pássaro em mudança de plumagem.

Chegou a noite do dia em que decidi que não queria descobrir mais nada sobre a lua e ela. Seus fluxos e refluxos que como marés invadiam meu quarto, respingavam em minha cama e assombravam meus sonhos, a duras penas domados. Resolvi que iria trocar de calendário, que manteria a cadeira longe de qualquer janela, que dormiria cedo e nunca mais olharia para ela. Minha decisão durou até ouvi-la uivar. O som dorido, num chamado rouco, impulsionou-me em direção à sacada, derrubando coisas no caminho até chegar lá. Escancarei a porta, arrancando as cortinas, no exato instante em que ela estendia os braços em direção à lua, exibindo aos raios o seu traje completo de mulher. Aparvalhado vi partir de seus seios fartos, mal disfarçados pelos longos cabelos negros, raios que se fundiram aos da lua e em segundos não vi mais nada. Entre a sua sacada e a minha apenas o som sedutor de loba a me chamar.

 
 
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