A VIDA SEGUE...
Zeca São Bernardo
 
 

Camisa de cetim passada e engomada, terno de linho fino completo meias e cuecas novas do mais puro algodão(lembre-se que as cuecas de algodão foram recomendação do médico devido as hemorróidas), lenço para a lapela. A velha carteira de couro combinado com os sapatos pretos devidamente engraxados.

Sim, tudo estava pronto enfim... pensou Cassandra, agora era só vestir o defunto! O marido, companheiro de mais de trinta anos de sua vida. Não, não fora seu companheiro. Ela é que suportara a dura rotina e o gênio difícil dele durante todo esse tempo. 'O velho mantinha a família com o dinheiro que ganhava na metalúrgica!' - disse baixinho, tentando não lembrar das noites de sexta-feira dele na gafieira, do dinheiro minguado da aposentadoria que nos últimos anos ia no carteado, na cachaça e após a inauguração do bordel na rua de cima, chegava cada vez menos em casa. 'Um santo homem!' - tentou dizer para si mesma mas, a convicção lhe faltou.

Agora ali, deitado na mesa da funerária depois da última noite de esbórnia.

Cassandra queria ir embora, sair dali, pôr um ponto final na sua triste história com aquele homem. Mas que diriam os filhos e pensariam os netos? Cobrariam-lhe não ter ao menos comparecido no velório do pai e avô? 'Sim, com certeza sim' - disse baixinho enquanto vestia o cadáver. Logo o auxiliar de preparação entraria na sala e com sua ajuda depositaria o velho Libório no caixão de luxo, que ele fez questão de dizer para todo mundo que seria enterrado assim. Acompanhado pela família em prantos e sob o choro convulso dos amigos de bebedeira até a beira da sepultura.

Libório mandava, não pedia. Pelo menos em casa, durante toda a vida.

E de fato foi assim, até seu último desejo fora cumprido como ordem. Enterrado coma a roupa das noites de gafieira boa no Amarelinho Club, sapatos engraxados, cravo branco na lapela. Sob os prantos da família e choro convulso dos amigos de bebedeira... Depois da última pá de terra e cal, com a laje do jazigo da família já lacrada, Cassandra continuou lá.

'Vovó está se despedindo do vovô!' - ouviu o filho dizer ao neto. Cassandra secou as lágrimas e sorriu. No bolso do paletó, ao invés da foto da família inteira como pediu, o velho levou um bilhete. Dizia Libório que mostraria a foto e como eram lindos seus filhos e netos á São Pedro assim que batesse nas portas do Paraíso. Mas nas poucas linhas que Cassandra redigiu de última hora, ela pedia ao diabo que mantivesse o velho bem guardado e vigiado num canto que fosse o pior do inferno!

'Libório morreu! A vida segue...' - disse olhando o tumulo enquanto se afastava.