A MENSAGEM
Bárbara Helena
 
 

"E o homem destruirá tudo que foi criado." (antiga profecia em Sírius)

O sol não permitia distinguir um objeto cintilando na água, sólido e escuro.

Robinson saiu da palhoça, protegendo os olhos: "Parece uma garrafa." Aproximou-se do mar tentando ver melhor - brilho e oscilação não permitiam certezas. Sentou-se, esperou.

Maré lentamente trouxe a coisa flutuante em direção à arrebentação. Ondas a jogaram na areia. Era mesmo garrafa. Simples, de vidro escuro, vazia.

Robinson olhou para ela longo tempo, desanimado. Precisava de tudo, longe da civilização, mas não saberia o que fazer com garrafa de vidro vazia. Já montara quebra-luzes, aparadores de velas feitas de gordura, enfeites, mesas e continuavam chegando. Mar era imenso escoadouro para recipientes de vidro e plástico.

Apanhou a garrafa e sacudiu, mais por hábito do que esperança. Coração socou as costelas magras. Percebera crepitar dentro dela um papel.

Emocionado, tentou retirá-lo com graveto, mas ansiedade atrapalhava. Pensou em quebrar, desistiu, não queria cacos contaminando a ilha, ferindo animais. Com cuidado, dominando nervos tensos, conseguiu, finalmente, resgatar o papel. Havia uma mensagem escrita nele. Depois de vinte e seis anos, comunicação, ainda que unilateral, com outro ser humano! Desdobrou o bilhete e leu.

*****

Secura absoluta manteve o cadáver intacto, através das eras, no mesmo lugar da praia onde caíra fulminado. Areia cobriu corpo, garrafa, papel. Depois a palhoça que ventos jogaram ao chão. Arvores desapareceram.

Mesmo sem usar o psi, HJ45 percebeu a excitação do Doutor Robinson. Acabavam de realizar mais uma escavação nos areais de outra ilha ao norte do Equador. O arqueólogo era um dos poucos no planeta que ainda se interessava por este tipo de esporte.

HJ45, como todo o resto da humanidade, biológica ou robótica, considerava bobagem desnecessária, mas se abstinha de pensar sobre isto em padrões cerebrais que seu amigo pudesse receber. Aceitara participar da expedição por algo que acometia robôs humanóides nos últimos anos - depressão pela imortalidade. A prescrição médica habitual era sair da civilização e entrar em contato com mundos e idéias antigos. Nada melhor do que acompanhar seu amigo, o excêntrico Doutor Robinson, na sua busca de civilizações perdidas.

O robô nada via de interessante nos objetos descobertos ali: corpo mumificado, com fiapos de barba e cabelo grudados ao crânio escuro, pedaços de tecido esfarrapado e encardido do que foram um dia suas vestes. Ao lado, cacos de algo lembrando plastifeno vitrificado escuro e um retalho finíssimo coberto de sinais incompreensíveis.

Este último item ocupava a mente do arqueólogo fazendo com que o robô recebesse suas emanações emocionais.

- Sabe o que é isto? - perguntou, usando o voicer.

Durante as escavações, para ficar mais próximo daqueles que investigavam, preferiam voz humana às comunicações telepáticas. HJ45 suspeitava que havia também necessidade pessoal de ocultar coisas. Outra vez manteve suas considerações no nível não transmitido.

- O que, Senhor?

- Um papel, um papel escrito.

O robô não conhecia suficiente das civilizações antigas para entender.

Dr Robinson explicou, excitado, que se tratava de algo extraordinário. Dificilmente encontrado em tal estado de conservação.

- Eram usados para comunicação. Membros desta antiga civilização imprimiam caracteres inteligíveis sobre estes retalhos.

- Mas porque não usavam o telepater?

O homem riu:

- Não havia telepatia nesta época. Nem voicer.

O robô ficou atônito. Inconcebível uma sociedade que não pudesse usar telepatia ou gravações do voicer.

- De qualquer maneira, não é isto que importa, embora seja uma descoberta extraordinária. O que importa será decifrar a linguagem que usavam, compará-la com outras que temos nos museus. Esta, sim, será a grande conquista da minha carreira de arqueólogo.

Neste momento, interferências surgiram no campo mental. HJ45 ficou pálido. Suas emoções sofisticadas eram próximas das humanas e, embora não tivesse medo da morte que não conheceria, sentia uma grande inquietação por seus amigos biológicos.

- Como previmos, a guerra está começando na ponta do Sistema. Com a rapidez das transmissões mentais, breve chegará até nós.

Doutor Robinson não respondeu. Sentia dores atrozes, provocadas pela invasão alienígena no seu campo telepático.

HJ45 tentava atenua-las, usando seu poderoso cérebro, enquanto o arqueólogo, curvado pelo sofrimento, procurava obsessivamente o código para decifrar a mensagem.

As horas escoavam e a situação psíquica da Terra e do Sistema Solar se tornava crítica. A destruição das mentes biológicas levaria o inimigo externo ao controle de toda a virtualidade e dos robôs.

O que eles não sabiam é que havia uma auto-destruição programada do Sistema, no momento em que a vida se extinguisse nele.

Enfraquecido, Dr Robinson desdobrou o papel e tentou pela última vez - era um cientista e sua curiosidade mais forte do que o medo ou a dor.

- Finalmente! - gritou para HJ45.

Com voz que mal podia se ouvir através do aparelho, decodificou lentamente:

"Esta é minha última mensagem para vocês, humanos. Toda sua caminhada tem sido no sentido de violentar e destruir a vida que criei. Agora chega. É o seu fi....

Ninguém na Terra, no Sistema Solar, nas inúmeras galáxias e em todo universo destruído teve tempo de ler. Mas no final da mensagem estava grafado: O Autor