RECADINHOS
Hugo Carvalho
 
 

Meus meninos me presenteiam, quase todos os dias, com seus recadinhos. Estando, um na segunda série fundamental e o outro, o menor, na alfabetização, divertem-se com o aprendizado das primeiras letras, deixando nos meus lugares domésticos preferidos, seus carinhosos bilhetes, expressões de seus sentimentos. São, na verdade, quase sempre iguais uns aos outros. São tantos os papeizinhos que me endereçam que me levaram a um certo complexo de culpa por, após lê-los, desfazer-me dos ditos, com dó é verdade, porém sem piedade. Lixo.

De uns tempos para cá resolvi mudar de atitude. Em vez de revelar fastio e impaciência ante tal carga de garatujas, amorosamente, além de ler em voz alta e pausada tais mensagens e de comentar com eles seus conteúdos, elogiando-lhes as caligrafias, os empilho sobre a mesa, os penduro atrás da porta e na janela, os colo onde posso, os deixo, presos por fita adesiva, ficarem balançando na minha estação de trabalho, outros ficam presos ao monitor do vídeo e sei lá, só sei que aqui, no meu estúdio de livros e letras, há de tais bilhetes por todos os cantos e por todos os lados. Bandeirolas.

Papai eu te amo! Você é o meu pai querido! Amado Adão, diz outro bilhete, usando meu segundo nome, Adão, em vez do Hugo pelo qual sou mais conhecido. Você é o meu amor! Gosto muito de você! Somam-se a tais expressões multicoloridas pela variedade de cores empregadas, flores, céus, nuvens, casinhas, portas, janelas, sóis, estrelas, luas, caminhos, chaminés, arminhos e tudo aquilo mais que a infância apreende do mundo que a cerca. Sonhos. Pureza angelical.

E me deixo ficar matutando, ao evocar iguais performances de outros filhos, primeiros, agora quarentões, do quanto a vida se repete embora se costume dizer que “antigamente as coisas eram diferentes”. Não. Antigamente as crianças eram tão crianças quanto as de hoje. Nós talvez é que, enquanto pais jovens, ocupados com os afazeres da sobrevivência, menos experientes, é que não nos apercebíamos que tais recadinhos, simples bilhetes infantis, são inefáveis traduções do mais puro amor filial.