MISTÉRIO
Marco Britto
 
 

Houve um bilhete. E depois deste tudo aconteceu.

Naquela noite alguém morreu.

Naquela mesa alguém fez sua última refeição. Comeu sua derradeira porção de cordeiro assado, bebeu seu último gole de Cabernet Sauvignon, pousou pela última vez seu talher de prata no prato de porcelana.

Naquela noite alguém partiu.

Naquela casa alguém subiu para seu quarto. Apagou o abajur sobre o criado-mudo, arrumou os travesseiros, alisou os lençóis da cama. Pela última vez...

Naquela noite alguém se arrependeu.

Naquele aposento alguém lembrou do ato que cometeu. Dos momentos que viveu, das linhas que escreveu, das coisas que pensou. Da última ação de sua vida...

Naquela noite um tiro se fez ouvir.

Naquela noite trovejou. Trovejou no quarto, trovejou na praça, trovejou no céu.Se perdeu na noite...

Naquele dia ninguém dormiu.

Naquela cidade todo mundo esperou. Esperou a noite, aguardou o tiro, esperou a morte. Aguardou o dia amanhecer...

Depois daquele dia nada mais foi igual.

Não se achou o bilhete, não se soube o que nele estava escrito. Não sabemos quem morreu e eu não sei de quem é o último suspiro.

Foi assim que aconteceu...