ÚLTIMO SUSPIRO
Tatiana Alves
 
 

Poderia ter sido um bilhete de metrô, esguio e longilíneo, com a elegante tarja magnética, mas estava fadado a ser o primo pobre da história: nascera um reles vale-transporte, desses de papel, que eram recebidos em cartela, aos montes, por trabalhadores no início do mês. Sabia que sua vida era curta, como as de todos os de sua espécie: só duraria até o próximo aumento, o que deveria acontecer nos meses seguintes. A morte precoce, entretanto, nunca o assustara, até porque a expectativa de vida curta era corriqueira em seu meio, e ele até já se acostumara à idéia.

Sentira-se nobre, de início: fora o primeiro da família a deixar de ser cruzeiro. Era Real, e enchia a boca ao contar aos demais o quanto a mudança de nome o tinha valorizado. Seu sonho inconfesso, contudo, sempre fora o de ser uma moeda, lustrosa e reluzente, para tilintar e brilhar nos lugares por onde passasse. Seu pai, contudo, mostrara-lhe a missão da família: como guias, permitiam às pessoas a ida a lugares longínquos, e o seu objetivo, desde então, passara à tarefa de levar o homem a algum lugar grandioso. E foi assim que se viu, um dia, passando das mãos do dono às de uma mocinha que o trocou por amendoins com um ambulante no ônibus. Das mãos do vendedor, virou troco, até ficar esquecido no fundo de um bolso traseiro. Logo ele, tão nobre, amassado nos fundos de uma calça encardida.

Acordara no dia seguinte dentro de uma carteira velha, na mochila de um estudante. Chovia muito nesse dia, e o menino, distraído, deixou a carteira cair ao correr para alcançar o ônibus. O pobre bilhete viu-se de repente lançado a uma poça que aos poucos espalhava água ao redor. Fazia muito frio, mas o que realmente o magoava era a certeza de ter sido tudo em vão. Jamais confraternizara com colegas na gaveta de um ônibus, ou fora cuidadosamente alisado por um cobrador. A tristeza o corroía enquanto sua vida se esfarelava naquela carteira encharcada. Sentia-se rasgado no corpo e na alma, e sua tinta borrara-se por completo. Seu último suspiro não teve testemunhas ou lamentos. Dissolvera-se em uma pequena poça na Avenida Presidente Vargas, às oito horas de uma manhã chuvosa do ano de 1994.