UM POR TODOS
José Luís Nóbrega
 
 

Eu sou sua boca. Sei que você já disse muitas asneiras por mim. Já fiquei fechada, para que não entrasse mosquito. Beijei o rosto de quem mais te amava. Beijei a boca de muitas que diziam te amar. Mas, apesar de tudo, tenha certeza de que estarei sempre com você.

Eu sou seu olho. Eu fiz você ver muitas coisas que não queria ver. Sofri com as lágrimas que por mim passaram. Sei que tentaram me furar várias vezes por causa de sua arrogância. Ainda sofro com esses óculos que você insiste em não trocar, e que me deixam cada dia mais cego. Mas, apesar de tudo, tenha certeza que estarei sempre com você.

Eu sou seu ouvido. Por causa de nossa amiga boca, que sempre disse o que queria, ouvi o que não queria. Pelo seu medo de médico, sofro com essa cera que me deixa meio surdo. Tenho vergonha das vezes que me colocou colado atrás da porta. Mas, apesar de tudo, tenha certeza que estarei sempre com você.

Eu sou seu nariz. Já fui enfiado onde não era chamado. Pra te proteger, por vezes, te avisei que a coisa não estava cheirando bem. Senti o cheiro de sangue, pressenti o cheiro de morte. Mas, apesar de tudo, tenha certeza que estarei sempre com você.

Eu sou sua mão. Você já me trocou várias vezes pelos pés, mas tudo bem, eu e eles já estamos calejados pelos seus erros. Acariciei e fui acariciada. Fui passada na cabeça daqueles que você perdoou. Esbofeteei aqueles que você condenou. Apesar de tudo, tenha certeza que estarei sempre com você.

Eu sou seu coração, tum... tum... Não sou tão grande quanto você diz que eu sou, tum... tum... Todos dizem que eu só bato, não apanho, tum... tum... Pura mentira, tum... tum... Na verdade, tum... tum..., eu tô cansado de ficar batendo esse tum... tum... E mais, tum... tum... Eu não sou coração de mãe, tum... tum..., que sempre cabe mais um, tum... tum... Aqui dentro já passaram, tum... tum..., a Mônica, a Bethina, tum... tum..., a Vanessinha, a Clara, tum... tum..., que era bem moreninha, a Oneida, tum... tum..., a Sofia, que quase fez silenciar esse tum... tum... Agora, vem essa tal de Catarina, tum... tum... Ô, cara, cria juízo! Tum... tum... Eu já tô com setenta e cinco aninhos, tum... tum... Aqui não cabe mais nenhuma não, tum... tum... Se você não tomar jeito, tum... tum..., eu paro, hein, tum... tum... Não acredita? Tum... Viu! Tum... Isso, põe a sua amiguinha mão no peito, tum... Grita, com essa boquinha suja, tum... Pode gritar, tum... Arregala esse olho falso, tum..., arregala, tum... Teu ouvidinho não tá mais te ouvindo, hein? Tum... Pressente o cheiro de morte, tum..., com esse narigão, tum... A mãozinha tá tremendo, tum... Sem mim, tum..., eles não estarão mais com você, tum... Quer saber? Tum... Parei.