A CADELINHA QUE TINHA MEDO DE VENTO
Tatiana Alves
 
 

Pandora era uma cadelinha muito especial: alegre e corajosa, matava baratas com um leve tapinha, salvando sua dona, que ficava, aos gritos, cada vez que um inseto entrava voando pela janela. Latia bravamente sempre que um estranho passava próximo da porta da sala, e assim julgava defender a casa e seus donos.

Enquanto sua dona escrevia, Pandora latia. Um latido insistente, de bichinho que quer a atenção do dono. Só parava mesmo quando voltavam a olhar para ela. Pandora então olhava para cima, disfarçando, como se nem prestasse atenção.

Nem mesmo quando chegou o bebê as coisas mudaram para ela. Ficava escondida, debaixo do berço, e fazia tanto escândalo quando o bebê chorava que parecia até que ela era a mãe da criança. Cheirava e lambia o pequeno, que ria, alheio aos comentários dos adultos.

O único problema de Pandora era o medo de vento. Medo, não: pavor. Ao menor sinal de que uma ventania se aproximava, a cadelinha corria e se escondia debaixo do cobertor. Parecia querer cavar um buraco no travesseiro, para ali fazer seu ninho, um esconderijo bem macio onde o vento nunca a pudesse alcançar.

Mas um dia o tempo trouxe um vento diferente; desse, quem tinha medo era a sua dona. Era um vento cruel, daqueles que levam as coisas de nós. Era um vento muito forte, daqueles impossíveis de se enfrentar.

E até hoje, em algumas tardes, surge em sua dona a lembrança dos uivos de Pandora. Fundida ao sibilar do vento, traz um lamento louco de tristeza. Nos momentos em que o vento sopra mais triste, só resta esperá-lo partir, findando essas tardes em que a saudade e a solidão dão mais medo do que o vento lá fora.