MEDO
Aline Carvalho
 
 

Qualquer tipo de relacionamento humano é permeado por vários sentimentos. Pais e filhos, irmãos, familiares diversos, colegas, vizinhos... Amor, ódio, ternura, indiferença, ciúme, inveja, admiração, respeito...

Nos relacionamentos amorosos não é diferente, embora neles tudo possa ser elevado à enésima potência, principalmente o medo.

Em todo caso de amor, há aquele que tem medo. Medo no sentido de receio, mesmo, embora ele não saiba dizer exatamente de quê. O que tem medo ama, o Outro se deixa amar. O que tem medo ouve, concorda, se antecipa. O Outro fala, discorda e se atrasa. O que tem medo faz, antes mesmo de o Outro pedir.

Ter medo não é questão de sexo. Existem mulheres que têm medo e homens que têm medo. A personalidade e o contexto influem, mas não determinam. O medroso pode ser o que tem mais sucesso, ou o mais sensível dos dois. Mas nem sempre é assim. Muitas vezes o Outro é mais ousado, mas existem os que têm medo ousadíssimos.

O que tem medo sempre espera o Outro pedir a batata frita. Faz uma extrema força mental para que o programa favorito na televisão não comece antes de o Outro chegar o que, estranhamente, seria culpa sua. O medroso sempre vai aonde o Outro quer ir.

E, se eventualmente acontecer o contrário, só fica se o Outro estiver “enturmado”.

Situação financeira não determina quem é o medroso e quem é o Outro. Mas fatalmente as roupas do Outro lhe caem melhor. O que tem medo sempre fala, buscando na resposta do Outro tranqüilidade e aprovação. O que tem medo sempre se deita na expectativa - reservou a melhor parte de sua energia para aquela hora. O Outro adormece antes de sua cabeça tocar o travesseiro.

O medroso é sempre exclusivo. O Outro pode ser, ou não. O que tem medo sempre acha que fez, falou, pensou algo errado. O que tem medo sempre é pequeno, independente de sua altura.

Mas... ( e sempre tem um mas nesta história, ou ela não teria a mínima graça) às vezes, geralmente num fim de semana chuvoso ou à noite, o Outro começa a sentir medo. Basta uma hesitação, um acaso, uma lembrança repentina que atravesse o coração, um cheiro, um pedaço de música ao longe, um descuido qualquer...

Quando isso acontece, é comum o outro tornar-se o medroso. E o medroso ficar extremamente corajoso, o que faz o novo que tem medo tornar-se mais medroso ainda. Aí, pobre do novo medroso...

Se o sofrimento do ex-medroso tiver boa memória, o ex-outro vai se arrepender de cada beijo ou telefonema não dado, de cada noite inteiramente dormida, de cada palavra não dita, de cada ausência não desculpada...

O ex-outro vai ficar atônito, de inicio, com essa mudança, mas vai se conformar com sua condição de medroso em seguida, mesmo porque não haverá alternativa.

E então vai seguir, humilde e cuidadoso, aprendendo e conviver com seu medo e tentando, desesperadamente, conquistar o Outro antes que seja tarde demais.