1982
Francine Ramos
 
 

Foi no inverno de 1982, fazia duas semanas que eu estava de férias na chácara da minha família. Uma bela construção com varanda e vista para o pomar. As cores vinham de um verde escuro lá das montanhas e seguiam clareando entre o amarelo das flores até o caminho de terra que dava para os pés de amoras.

Tudo parecia uma coisa só: o tom claro da casa e a grama seca contornando a estradinha de terra, que, distante, emendava com o pôr-do-sol e as montanhas.

Eu adorava passar minhas férias nessa casa, apesar do frio, era bom demais o vento forte vindo das montanhas. Era uma força a empurrar minha pele, chegava a doer, mas eu amava. E não perderia a oportunidade de sentir novamente o vento forte tocando o meu rosto.

Além da natureza sempre presente o amor maior era sentir o cheiro do casaco da minha avó quando ela me abraçava. Minha querida avó Luisa, sempre pronta para um sorriso amigo, um abraço carinhoso e uma palavra confortável. Melhor do que qualquer terapeuta, melhor que qualquer remédio para dores de cabeça. Era sempre com minha avó que eu recuperava todas as forças necessárias para continuar.

Porém, a cada ano que passava, me doía mais vê-la sentada na cadeira de balanço apenas a olhar o movimento da casa. Ela já não tinha força em suas pernas e braço para pegar as frutas do pomar, tão pouco para nos presentear com deliciosas broas no café da manha. Isso machucava demais. Doía minha alma como nunca mais doeu depois que ela se foi. No inverno tão triste de 1982.

Fica guardado em mim o silencio da casa quebrado pelo estalar do chão de madeira, pelo ruído lento das janelas e o ultimo suspiro de minha avó.

Quantas noites acordei com seus sussurros de dor. Quantos noites olhei para o céu tentando entender que força era essa que sugava a vitalidade de minha avó. Tão difícil compreender. Tão difícil tentar buscar uma solução para nossa alma. Porque o corpo dela já não está mais aqui.

Volta a doer tanto essas lembranças. Chego a sentir as alegrias que vivi ao seu lado. E dói o coração, a cabeça, que agora se contenta com aspirinas.

Minha avó dizia que a vida é um belo caminho onde estamos sempre fazendo escolhas rumo ao destino maior, a morte.