O CHICLETE DE CANELA
Alex Sens Fuziy
 
 

A canela de carne e osso doía de frio. A do chiclete ardia entre os dentes cheios de saliva e medo. Ela andava mancando como se não quisesse continuar, como se inventasse uma dor qualquer e com isso pudesse voltar atrás. Mas não podia. Ela mastigava as dores dentro do chiclete pseudo-apimentado, era sua dor desfazendo o açúcar entre as cáries da boca.

Atravessou a praça recoberta de gelo e sentiu mais frio. Vestia apenas uma blusa fina e luvas. Além do cachecol azul que havia ganhado da avó. Levaria o cachecol consigo, era a única lembrança concreta que tinha daquela mulher tão linda de olhos verdes. A praça jazia em neve, as árvores não tinham folhas, eram esqueléticas e bruxuleantes. E o céu estava limpo. Apesar do sol, não havia calor, nem fora do corpo, nem dentro da alma. Talvez ela carregasse as duas mãos cheias de neve dentro do estômago, o frio que ali fazia ultrapassava a temperatura negativa que marcava no termômetro central da cidade. Ela estava mais fria que o frio, e por isso era tão indiferente às luvas que usava.

Estava próxima da ponte, também recoberta de neve e alguns galhos quebrados. Algumas poucas pessoas corriam entre as árvores e o calçamento dos ciclistas; era uma interessante manhã de domingo. Neve, pessoas correndo, árvores marrons e ela ali, carregando a dor nas canelas da perna e do chiclete.

Quando chegou à ponte, o chiclete não tinha mais gosto. Era gosto desbotado e sem cheiro, já havia virado borracha d'água. Cuspiu aquela bola calejada de açúcar para bem longe, que sumiu num monte de neve que cobria boa parte da calçada que antecedia a ponte.

Ela ficou de olhos fechados. Não queria ver, talvez a dor fosse menor, não ver a dor era mais prazeroso, uma espécie de prazer doentio, como quando a agulha entra lentamente na cartilagem fria de um grito silencioso.

Deu quatro passos e sentiu roçar a cintura na margem acimentada da ponte. Estava gelada, agora mais que o próprio estômago e canela sem calças. A saia mostrava suas pernas rosadas, pareciam coradas. Talvez estivessem envergonhadas daquilo, ali, em plena luz do dia.

Respirou fundo e abriu os braços. Agora mastigava a língua com força, sentia o sangue percorrer os atalhos da gengiva, podia ver os dentes escarlates partidos ao meio quando chegasse de encontro às pedras do rio.

E soltou-se.

Mas nada do que esperava aconteceu. Se viu numa enorme placa azulada de gelo e sentiu a mão doendo. Havia quebrado alguma coisa. O cachecol estava enrolado na orelha, havia protegido o lado esquerdo da cabeça.

Sorriu. Como iria morrer no inverno, se as águas já estavam mortas, paradas como cadáveres sólidos de hidrogênio e oxigênio? E sua avó, intrometida, havia dado aquele cachecol azul já sabendo quais eram seus desejos doloridos.

Levantou-se, segurando a mão esquerda que doía, e subiu a margem do rio morto. Pegou o chiclete mastigado de volta e atravessou a praça, apaixonada pelos invernos e ainda mais pela avó. E que chiclete de canela bom!